CAPITALISMO E CRISE
Introdução
O real é um encadeamento de forças, tendências e contratendências em movimento contínuo. Este caráter não estático da realidade é o maior desafio ao pensamento que aspira à totalidade, ou seja, à teoria político-filosófica do proletariado, que precisa compreender o real em movimento e em todas as suas potencialidades.
Sob o capitalismo decadente, a burguesia se refugia nas trincheiras fragmentadas e dispersas do pensamento pós-moderno, ou irracionalista, ou qualquer outro que prescinda da totalidade. Apologético à ordem decadente do capital, o pensamento burguês é forçado a varrer contradições para baixo do sofá, o que é um adiamento e não uma solução. No início do século passado, Lukács já constatava os limites da arte burguesa, estrangulada por sua perspectiva de classe. Voltaire, Diderot e outros não existiriam um século depois, ou existiriam de forma diferente da original, porque o período revolucionário da burguesia estava encerrado. O esgotamento da arte de perspectiva burguesa é também consequência da necessidade de mascarar contradições e de abrir mão da totalidade, repete-se nas artes o mesmo fenômeno que se observa em outros campos do pensamento.
Por outro lado, também por determinações materiais e com Sartre, é possível afirmar que sob o capitalismo Marx é um pensador insuperável. Os teóricos burgueses da utilidade marginal tentaram há mais de um século atacar a teoria do valor trabalho para, posteriormente, inviabilizar o marxismo; mas fracassaram: falseamento e mistificação têm limites. Repelidos os ataques de Jevons, Menger e outros marginalistas; o combate burguês ao marxismo mudou de estratégia, abriu mão do embate frontal e passou atacar aspectos específicos. Por exemplo: sem contrariar o sistema de Marx, Bresser Pereira faz um ataque pontual esforçando-se para mostrar que o que era contratendência transformou-se em tendência. Segundo Bresser1, a composição orgânica do capital deixou de ser crescente, a mecanização é evidente, mas o capitalismo teria sido capaz revolucionar a produção, em termos de valor (quantidade de trabalho acumulado) o capital constante não cresceria mais rápido do que o variável. Se a composição orgânica do capital não é crescente, a lei da queda tendencial da taxa de lucro cai por terra. Bresser apresenta dados que corroboram sua tese, mas reconhece a precariedade de suas fontes e a necessidade de aprofundamentos. Enfim, a hipótese da estabilização da composição orgânica do capital é plausível, ajudaria a explicar a longevidade do capitalismo, mas carece de melhor comprovação empírica. Infelizmente, nem pensadores e nem organizações marxistas têm se debruçado com afinco para provar empiricamente se a composição orgânica do capital é crescente, decrescente ou estável. A escassez de dados confiáveis e a necessidade de transformar as estatísticas burguesas em categorias marxistas dificultam a aferição da evolução da composição orgânica do capital, mas, trata-se de tarefa fundamental para os que querem compreender a dinâmica do modo de produção capitalista. O desconhecimento dos movimentos da composição orgânica do capital prejudica muito a compreensão teórica dos revolucionários.
Mas, ainda que a composição orgânica do capital seja estável ou decrescente, as crises capitalistas continuam a se repetir. Como explicar o aparente paradoxo? Há em Marx dois caminhos para compreender as crises capitalistas, um via aumento da composição orgânica do capital e queda tendencial da taxa de lucro, outro através do aumento do preço do capital variável.
Luta de classes e crise
Antes de discutir as duas vias para crise é preciso fazer uma pequena digressão categorial. O método marxista parte do abstrato para o concreto, o grau de abstração vai se reduzindo à medida que o pensamento avança. Na obra máxima de Marx, O Capital, a cada página se avança um passo no difícil caminho que liga o abstrato ao concreto. No livro I, as mercadorias se relacionam em termos de trabalho abstrato acumulado (valor), é somente no livro III que os valores se transformam em preços. Para compreender a dinâmica capitalista é fundamental entender a transformação dos valores em preços e as especificidades destes últimos.
A variável fundamental no modo capitalista de produção é a taxa de lucro, que, por sua vez, é produto da divisão da mais-valia (m) pela soma do capital constante (c) com o capital variável (v).
Taxa de lucro = Mais-valia (m)/Capital constante (c) + capital variável (v)
Ou seja, a taxa de lucro é uma porcentagem obtida após a divisão do excedente expropriado (mais-valia) pelo capital empregado (variável e constante). Considerando a equação acima, a queda da taxa de lucro pode ocorrer via redução do numerador (mais-valia), ou através do aumento das variáveis do denominador (capital constante e/ou capital variável).
No sétimo capítulo do livro I do Capital, Marx insere a categoria taxa de mais-valia, ou taxa de exploração, que surge da divisão do trabalho expropriado pelos salários:
Taxa de mais-valia = Mais-valia (m)/Capital variável (v)
A luta de classes é o motor da história e da taxa de mais-valia. Se o cabo de guerra da luta de classes pende para o lado capitalista, crescem as taxas de mais-valia e de lucro; mas, se os trabalhadores conseguem impor suas reivindicações salariais, cresce o capital variável, diminui a mais-valia e, consequentemente, a taxa de lucro. Ou seja, é possível compreender a queda da taxa de lucro e a crise a partir do aumento do capital variável em relação à mais-valia, mesmo sem que ocorram aumentos significativos do capital constante.
Crise estrutural. Aumento da composição orgânica do capital. Redução da taxa de lucro
A taxa de lucro é variável fundamental do capitalismo. Aumentos da taxa de lucro determinam a ampliação dos investimentos e da produção. Reduções da taxa de lucro implicam na diminuição dos investimentos e em crises. A questão fundamental é determinar a causa da redução das taxas de lucro: aumento da composição orgânica do capital, ou redução da taxa de mais-valia, ou as duas coisas ao mesmo tempo?
Se a redução da taxa de lucro se explica pelo aumento da composição orgânica do capital, é possível falar em crise estrutural2. Os capitalistas podem tentar reverter a queda dos lucros aumentando a taxa de exploração, mas a extração de mais-valia tem limites. Além disso, partindo da suposição de que o capital constante custa mais que o variável (o que ocorre na maioria dos ramos de produção), para compensar a redução dos lucros causados pelo aumento da composição orgânica, os capitalistas precisariam aumentar a taxa de mais-valia em porcentagens maiores que as de crescimento da composição orgânica, o que é inviável no longo prazo. Ou seja, aumentos das jornadas de trabalho (mais-valia absoluta) e/ou da intensidade do trabalho (mais-valia relativa) são incapazes de compensar a elevação da composição orgânica do capital. No limite só restaria um recurso aos capitalistas, revolucionar a produção barateando o capital constante e, consequentemente, fazendo diminuir a composição orgânica do capital.
As revoluções industriais baratearam máquinas e matérias-primas (capital constante), reduziram, dessa forma, a composição orgânica do capital e aumentaram as taxas de lucro. Foram, portanto, imprescindíveis para a sobrevivência do capitalismo. No limite, se a crise atual é realmente estrutural, somente uma nova revolução industrial ou tecnológica será capaz de conceder sobrevida ao modo capitalista de produção.
Guerras imperialistas são úteis para batear matérias-primas (petróleo entre outras) e aumentar lucros. Não é à toa que a rapinagem capitalista esteja mais aguçada do que nunca. Por outro lado, ainda que as expropriações imperialistas concedam algum fôlego para as burguesias dos países centrais, não serão suficientes para redimir o capitalismo. As guerras redistribuem os recursos entre as burguesias. Considerando a totalidade capitalista, trata-se de um jogo quase que de soma zero e de efeito limitado no longo prazo. As burguesias imperialistas ganham algum fôlego com suas guerras de rapina, que não redimem o capitalismo no longo prazo.
Já a ampla destruição de capital através de guerras entre países imperialistas é uma possibilidade remota, e que, além disso, não é uma ferramenta que possa ser utilizada pelas burguesias: os armamentos estão desenvolvidos a ponto de colocar em xeque a vida no planeta e, principalmente, os investimentos estão espalhados por diversos países, com uma guerra interimperialista os burgueses destruíram seus capitais investidos do outro lado das trincheiras. Sendo assim, guerras entre países imperialistas não devem ocorrer no curto prazo, os mais provável é que estes continuem formando coalizões para saquear estados menos submissos, como ocorreu na Líbia.
Ou seja, ainda que a exata evolução da composição orgânica do capital não seja plenamente conhecida devido à falta de comprovação empírica, é certo que os países imperialistas manterão e ampliarão as guerras de pilhagem. A expropriação de matérias-primas e, consequentemente, o barateamento do capital constante é fundamental na atual conjuntura. 

Líbia bombardeada

Crise cíclica. Redução da taxa de mais-valia. Queda dos lucros.
 O conceito de crise cíclica está presente na obra Marx, ele explica as crises periódicas do capitalismo principalmente a partir dos movimentos da taxa de mais-valia, e não do crescimento da composição orgânica do capital. Esquematicamente, é possível dizer que para Marx as crises periódicas ocorrem devido à redução da taxa de mais-valia; mas a crise final/terminal3 do capitalismo viria da redução dos lucros causada pelo aumento da composição orgânica do capital. A autópsia do cadáver carcomido do modo de produção capitalista indicaria o aumento da composição orgânica como causa mortis.
Mas Marx não estabelece temporalidade na evolução e no colapso do capitalismo. Para ele o aumento da composição orgânica é uma tendência com contratendências e sem data fixa para prevalecer. E não era possível levar o conhecimento científico para além deste ponto, nem Marx nem nenhum outro pensador teria condições de antecipar o caráter da evolução das forças produtivas e as consequências destes avanços.
Por outro lado, se Marx não data a crise final do capitalismo, ele deixa claro que as crises cíclicas tendem a se repetir em intervalos cada vez menores. Como foi dito acima, a análise de Marx parte dos valores para chegar aos preços, que tendem a variar sem se afastar muito dos primeiros. Repetindo: a taxa de lucro é obtida dividindo-se a mais-valia pela soma do capital constante mais o variável.
 Taxa de lucro = Mais-valia (m)/Capital constante (c) + capital variável (v)
Quando a taxa de lucro cresce, os capitalistas reinvestem na produção. A necessidade de empregar mais trabalhadores reduz o exército industrial de reserva, os preços dos salários aumentam, reduzem-se proporcionalmente as taxas de mais-valia e de lucro. Até que, no limite, os aumentos salariais inviabilizam novos investimentos: inverte-se o ciclo, irrompe a crise. Basicamente é esta a dinâmica das crises cíclicas. Vale ressaltar que o crescimento dos investimentos produtivos também podem elevar os preços das matérias-primas (capital constante) rebaixando os lucros, este movimento é semelhante ao aumento dos salários (capital variável). Como este último aumento do capital constante é pontual e cíclico, não é correto interpretar a consequente redução dos lucros como crise estrutural do capital, não há um determinante estrutural na elevação dos preços do capital constate. Ao diminuírem os investimentos e a demanda por matérias-primas, o preço destas diminuirá possibilitando a abertura de um novo ciclo de crescimento.
Crise atual
No segundo semestre de 2008 as bolsas de valores começaram a fazer água, grandes instituições financeiras pediram concordata, o desemprego cresceu... Crise! No momento em que a economia parecia operar com força total veio o solavanco e a guinada para o fundo do poço. O colapso súbito sugere que o mais correto é caracterizar a crise como cíclica. A economia cresceu reduzindo o exército industrial de reserva e aumentando os salários. Além disso, a expansão ampliou a demanda por matérias-primas, os preços destas se elevaram4. O duplo movimento para cima dos capitais constante (matérias-primas) e variável (salários) freou a expansão das taxas de lucro, os reinvestimentos produtivos estancaram e iniciou-se a espiral recessiva: menos investimentos reduzem o emprego, o consumo diminui, reduzem-se ainda mais os lucros e a economia caminha para o fundo do poço. A retração se encerra quando a recessão barateia matérias-primas e salários a ponto de viabilizar investimentos, as taxas de lucro começam a se recuperar à medida que a economia se aproxima do fundo do posso.
Se a economia capitalista realmente funcionasse regida pelas mãos invisíveis do mercado, as oscilações conjunturais seriam bruscas, os movimentos do topo para o fundo do poço seriam muito mais recorrentes e radicalizados. Entretanto, somente os palpiteiros meia-boca acreditam no livre funcionamento do mercado, que só funciona nas telenotícias da mídia apologética. Depois de Keynes, a burguesia aprendeu definitivamente que, se quiser se mante, precisará utilizar o estado para intervir na economia regulando os investimentos.
Comparando a Grande Depressão de 1929 com a crise de 2008, salta aos olhos a diferença na forma como as burguesias responderam à queda na atividade econômica. Em 1929 empregaram-se políticas de contenção de gastos semelhantes às que são recomendadas atualmente pelos neoliberais, aprofundou-se a crise. Em 2008 utilizaram-se políticas totalmente diferentes, toneladas de dólares e outras moedas foram lançadas na economia, os estados tentaram fortalecer a demanda para evitar a quebradeira geral, alcançaram parcialmente seus objetivos, o pior não aconteceu naquele momento, mas o endividamento público disparou. Três anos depois a crise volta a rugir nos calcanhares da burguesia. Os estados nacionais, imperialistas inclusive, estão em dificuldades para pagar suas dívidas.
Analisando a economia dos EUA no período que vai do início da crise atual (2008) até a presente data (2011), percebe-se que não houve uma significativa ampliação da utilização da capacidade instalada, que permanece abaixo da sua média histórica. O desemprego continua alto. Ou seja, não houve uma recuperação significativa que permita diferenciar o ciclo de retração atual do ocorrido há três anos. A forma da crise pode ter mudado, mas sua essência é a mesma. Não houve um ciclo de recuperação e ampliação da acumulação que permita se falar em nova crise, os keynesianismos de 2008 impediram que a economia despencasse para o fundo poço, o que vai ocorrer em algum momento5. Para garantir um ciclo de expansão da acumulação, o capitalismo precisa partir do fundo do poço da crise. Um novo ciclo expansivo não é possível porque a crise ainda não se realizou em toda sua potencialidade.      
O tempo ruge e urge. Apesar dos keynesianismo, o acerto de contas se aproxima, o dinheiro transgênico das impressoras estadunidenses não será suficiente para alimentar o capitalismo. A destruição de capital observada até agora não foi suficiente, o canibalismo da burguesia deve se aprofundar. Capitais e homens precisam ser destruídos para que seja possível retomar um ciclo de crescimento. Esta é a principal lição de 1929.
Quanto à crise atual, percebe-se que foram mecanismos de mercado que elevaram salários (capital constante) e matérias-primas (capital constante). O capital em seu movimento ascendente reduziu o exército industrial de reserva e os estoques de matérias-primas, elevando os preços de ambos, até que se inviabilizou a continuidade da expansão. Entretanto, não é correto definir a crise como estrutural, o capitalismo não se encontra num beco sem saída estruturalmente determinado. Apesar das dores do parto e dos homens, os investimentos capitalistas serão retomados após as desvalorizações das matérias primas e dos salários. Não há nenhum imperativo estrutural que impeça um futuro ciclo expansivo.   
Conclusão
O modo de produção capitalista é composto por tendências e contratendências. A interação destas forças estabelece arranjos pontuais. O real concreto é móvel e inacessível ao pensamento estático e unidimensional. Marx formulou as categorias-chave para a compreensão da concretude real em movimento, mas permanece o desafio de fortalecer a base empírica da análise marxista.
Como já foi dito, a crise é fundamentalmente redução da taxa de lucro, que, por sua vez, pode se manifestar das seguintes maneiras: redução da taxa de mais-valia, ou aumento da composição orgânica do capital, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ocorre que o aumento da composição orgânica do capital (c/v) pode ter duas origens. Marx separa o capital constante em dois grupos: capital constante fixo (máquinas e equipamentos que transferem valor às mercadorias à medida que se depreciam) e capital constante circulante (insumos e matérias-primas que transferem todo seu valor às mercadorias).
Assim sendo, é possível reescrever as equações da composição orgânica do capital e da taxa de lucro:
Composição orgânica = Capital constante fixo + Capital constante circulante/Capital variável
Taxa de lucro = Mais-valia/Capital variável + Capital constante fixo + Capital constante circulante
A queda das taxas de lucro a partir de 2008 ocorreu devido ao aumento de duas variáveis da equação: matérias-primas (capital constante circulante) e salários (capital variável). A redução do exército industrial de reserva e os altos preços das matérias-primas nos momentos imediatamente anteriores à explosão da crise de 2008 sustentam essa tese. Sendo assim, é correto definir a crise atual como cíclica. Ou seja, o crescimento da acumulação elevou os preços do capital variável e do capital constante circulante a níveis proibitivos. Caíram os lucros e novos investimentos foram inviabilizados. Irrompeu a crise.
Para que ocorra um novo ciclo de expansão é preciso baratear o capital variável (salários) e o capital constante circulante (matérias-primas). Entretanto, como a crise explodiu principalmente nas economias centrais, suas proporções são muito maiores6. As burguesias imperialistas adotaram keynesianismos contra a crise, diferentemente do que receitam para os outros. As medidas empregadas foram capazes de evitar o tombo para o fundo do poço em 2008, mas, por outro lado, o acerto recessivo necessário ainda não ocorreu. É isso que explica a crise de 2011. Ainda que não seja possível estabelecer datas e prazos, é certo que virão novas falências, concordatas e quebradeiras.
Resta, por fim, uma interrogação: por que dessa vez a parada cardíaca atingiu o coração do capitalismo mundial? Arriscarei uma resposta parcial e provisória utilizando os poucos dados que tenho e a teoria da transformação de valores em preços7.
No capítulo XXIII livro I do Capital, Marx apresenta a categoria composição técnica do capital, que é a proporção em que os diversos ramos de produção se utilizam de capitais constantes (valor dos meios de produção) e variáveis (valor da força de trabalho). Como somente este último gera valor, as taxas de lucro tendem a ser maiores nos ramos de produção que empregam grandes proporções de capital variável. Mas as altas taxas de lucro atraem investimentos capitalistas, aumentando a oferta dos ramos de produção mais rentáveis, os preços e lucros caem, até que estes se igualem à média social. Nos ramos de produção que empregam grandes proporções de capital constante ocorre o inverso. As taxas de lucro são baixas, o que obriga o capital a procurar investimentos mais rentáveis, diminuindo a oferta e aumentando os preços e lucros, até que estes se igualam à média social. Ou seja, os preços tendem para baixo do valor nos ramos de produção intensivos em capital variável; inversamente, nos ramos de produção intensivos em capital constante, os preços tendem para cima dos valores.
A falta de uma base empírica consistente limita as possibilidades de análise, mas é coerente supor que os ramos de produção mais avançados sejam os que empregam proporcionalmente mais capital constante. É igualmente plausível supor que estes setores estão nas economias imperialistas. Por outro lado, os ramos mais intensivos em capital variável se deslocaram para a periferia capitalista. A China é sem dúvida o principal exemplo deste deslocamento. Sendo assim, é plausível afirmar que os ramos de produção que elevam a média social das taxas de lucro foram transferidos para fora das economias imperialistas, o que ajuda explicar a redução da rentabilidade e a crise no coração do capitalismo. Ainda que parte da produção deslocada para China e outros países periféricos seja tocada por empresas estrangeiras, o argumento não se inviabiliza. Parte da mais-valia expropriada é reinvestida localmente e não retorna para as economias imperialistas. Além disso, a massa salarial deslocada para os países periféricos enfraquece o consumo nas economias centrais. Sendo assim, o deslocamento dos setores intensivos em capital variável para fora das economias imperialistas empurra a crise para dentro destas.
Mas o deslocamento de capital entre países tem limite. O exército industrial de reserva chinês é grande, mas não infinito. Tem caído a rentabilidade dos investimentos na China, os baixos salários são quase insuficientes para compensar a reduzida produtividade. Ressalte-se que, considerando o grau de exploração do trabalho chinês, é impossível imaginar reduções salariais e/ou aumentos da produtividade.
Pelo que escondem, todas as analogias são perigosas. Com essa ressalva e assumindo riscos, registremos que as economias dos EUA e da China são siamesas, uma não existe sem a outra. O declínio da acumulação nos EUA e outros países imperialistas causará impacto semelhante na China e demais economias periféricas.
Enfim, considerando que o acerto de contas dos capitalistas com a crise ainda está pendente, é fácil prever que a luta de classes vai se acirrar no planeta. O difícil é a vida e seu ofício: o difícil é formular a estratégia e as táticas coerentes com o tempo presente.

Notas
1º) Bresser desenvolve essa argumentação na obra Lucro, acumulação e crise, que, descontando a perspectiva ideológica, vale à pena ser consultada.
2º) A categoria crise estrutural está associada à impossibilidade de restabelecer as taxas históricas de lucro capitalista. Para Mészáros e outros teóricos, a crise estrutural do capital teve início no começo dos anos 1970. Para estes pensadores a elevação da composição orgânica do capital é a causa fundamental da crise. É neste sentido que emprego a categoria crise estrutural. Aproveito para registrar que discordo dessa formulação e que a mesma não está presente na obra de Marx, o quenão a inviabiliza a priori. A maior debilidade da categoria crise estrutural é que, para ser real, as forças produtivas precisariam estar contidas, entretanto, é nos anos 1970 que começam a surgir inovações como a microinformática e a biotecnologia. Ou seja, a crise estrutural do capital é contemporânea de inovações que revolucionaram a produção e que tendem a barateá-la. Outro ponto fraco da ideia de crise estrutural é a base comparativa utilizada, o período 1945 – 1968 é comparado com os últimos 40 anos, como as taxas de expansão da acumulação capitalista não se mantiveram depois de 1968, afirma-se que o capitalismo vive uma crise estrutural. Entretanto, sabe-se que o período 1945 – 1968 registra o maior crescimento percentual da história do capitalismo, ou seja, a base de comparação inviabiliza a análise.
3º) Emprego o conceito de crise final/terminal como potencialidade da crise estrutural, apesar de não concordar nem com uma e nem com a outra. Trata-se apenas de tentar desenvolver argumentos de terceiros. Aproveito para registrar que a ideia de que o modo de produção capitalista caminha de encontro a limites estruturais não é exclusiva de Marx, décadas antes Ricardo já a formulava, ainda que não nos mesmos termos, para o economista inglês a inelasticidade da oferta agrícola limitaria a expansão capitalista no longo prazo.
4º) A elevação do preço das matérias-primas nos últimos anos foi o que impulsionou o crescimento da economia brasileira. A demanda externa (principalmente chinesa) por matérias-primas elevou os preços das exportações brasileiras como nunca antes na história desse país. O governo neoliberal e farofeiro de Lula da Silva aproveitou-se da conjuntura externa favorável, surfou na marolinha e tomou sol na ilusória praia da bonança capitalista. A desindustrialização do país foi compensada pela elevação do preço de suas exportações. Só faltou Lula repetir o dito de Keynes: no longo prazo estaremos todos mortos!
5º) A burguesia pode tentar “parcelar” a crise em um longo período de estagnação como forma de reduzir quebradeiras, falências, desemprego etc. Mas é pouco provável que a teoria econômica disponha de instrumentos para empurrar a crise com a barriga por muito tempo.
6º) Por ocorrer no coração do capital, o enfarte é muito mais letal e fulminante, mas não deixa de ser um enfarte. A crise a atual, como outras tantas, é uma obliteração momentânea das artérias do capital. Se estas forem desobstruídas a acumulação se restabelecerá. Como as analogias são perigosas, esclareçamos que os enfartes não são mortais para o capitalismo como são para humanos. Para matar o capitalismo é preciso cravar-lhe uma estaca proletária no peito.
7º) Em Marx a transformação de valores em preços depende dos deslocamentos do capital entre os ramos de produção. Estes movimentos são possíveis em sociedades capitalistas jovens, ainda baseadas no que a microeconomia chama de concorrência perfeita. Entretanto, à medida que se estabelecem oligopólios e monopólios, os movimentos do capital ficam restritos, surgem barreiras à entrada e à movimentação. Marx previu este processo, chamou de centralização do capital a formação dos monopólios e oligopólios. Entretanto, se há barreiras à movimentação do capital, as taxas de lucro não serão as mesmas nos diversos ramos de produção, a rentabilidade nos setores monopolizados serão maiores.

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