A mulher mais bonita do mundo

A mulher mais bonita do mundo não está na televisão, pelo contrário, está no banco de escola, no escritório vizinho, ou atrás de uma máquina copiadora (como neste caso). É preciso que seja assim, porque a beleza desmedida não pode ser absorvida de um tapa, é preciso observá-la de todos os ângulos e em seus gestos corriqueiros: um piscar de olhos, um esboçar o sorriso e até uma cara zangada.

O principal sintoma da presença da mulher mais bonita do mundo é a inspiração que se produz, em todos os sentidos, seja a aspiração profunda que enche o peito de ar como se quisesse sugar tudo, inclusive a moça, seja a produção de crônicas e poemas que sucede o encontro.

A beleza da mulher mais bonita do mundo começa na aparência, chega à essência e retorna, dialeticamente. Sempre há algo a descobrir, por explorar, e é isso que fascina.

Vamos aos fatos. O Lico era casado. Claro, não com a mulher mais bonita do mundo, porque se é verdade que tamanha beleza não se absorve de um tapa, também é fato que o convívio exagerado com a formosura tende a danificá-la. Imagine a mulher mais bonita do mundo de pijama de bolinha. Não dá, né? Mas curiosamente o Lico enxergava a mulher mais formosa atrás de um avental de loja copiadora, e que perfume não teria aquele avental branco? Qualquer que fosse, devia combinar com os olhos felinos, tinha de ser selvagem, fugídio. Porque o belo é sempre esquivo, reticente, difícil de penetrar.

E precisamos falar do belo e do sublime. Isso a tal ponto, que num arroubo de insensatez, o Lico chegou a comentar com sua esposa sobre a beleza da moça da copiadora, e houve acordo, sua esposa concordou. Ele chegou a pensar que a beleza é tão poderosa que supera até ciúme de mulher casada, que supera o sentimento de posse, que o belo é irresistível. Quem casasse com a mulher mais bonita do mundo deveria assinar um contrato autorizando – com testemunhas e sob as penas da lei – a contemplação pública.

É claro que existem diversas mulheres mais bonitas do mundo, se não fosse assim a Terra seria um tédio só, mas o fato é que a do Lico estava no prédio dele, não exatamente no apartamento, mas apenas cinco andares abaixo, na copiadora. Ele podia dizer que dividia o prédio com a mulher mais bonita do mundo.

Como sonhos e devaneios atravessam paredes e lajes, o Lico chegou a sonhar que a mulher (dele) trabalhava na copiadora e que a outra é que estava debaixo do edredon. Sim, isso é o antipolitamente correto na veia, em dose cavalar, é um levante dos instintos mais básicos, mas é real, fazer o quê?

O problema é que o tempo passa, a mulher mais bonita do mundo deixou a copiadora. Lico imaginava que algum empresário podia ter sido atendido por ela, e que a tivesse contratado para contracenar com o Brad Pitt num filme romântico, ou então que algum gringo a tivesse pedido em casamento. E daí ele pensava na sina do nosso Brasil, ter suas riquezas arrancadas, sempre, desde Cabral.

Lico adaptava Drummond: o pior é que a mulher mais bonita do mundo foi embora, e não há outra disponível. Na verdade até havia, mas aí é outra história. O fato é que a mulher mais bonita do mundo não estava mais no prédio. Lico também não permaneceu muito tempo por lá, separou-se e foi morar em outro lugar.

Mas um dia, mais precisamente numa sexta-feira, era preciso que fosse numa sexta, Lico pegou um ônibus quase vazio, o que já é um indício importante, e ao apontar no corredor... Lá estava ela sentada: a mulher mais bonita do mundo, sem dúvidas. O que fazer?

Sentar ao lado dela? Contar tudo? Mas o Lico não sabia o nome da moça, o que convenhamos, é irrelevante. O ônibus vazio com os bancos vagos também era só um detalhe, ele pensou em sentar ao lado dela explicando que sempre viajava naquele assento, exatamente naquele. Ela o aceitaria, eles largariam os compromissos para tomar um café, é possível, mas... Mas a coragem passou e o Lico passou e sentou um pouco atrás, até permaneceu um tempinho parado ao lado dela, mas ficar em pé no ônibus vazio seria ridículo.

Sim, era ela, era preciso pensar rápido, agir era preciso. O que falar? Como superar as divisórias da incomunicabilidade? Meter o pé na incomunicabilidade, tocar fogo... Sentar ao lado dela e contar tudo. Não. Era preciso utilizar gracejos, superar a falta de comunicação aos poucos, dizer que a conhecia de algum lugar, talvez de um filme de hollywood em que ela era a mocinha, aquele filme com o Brad Pitt... Qual era mesmo?
           
Então ele levantou, avançou pelo corredor e parou ao lado da moça. Segurou firme no apoio do ônibus,  mostrando o bíceps. Olhou para ela. Era a própria, sem dúvida. O olhar fugídio era o mesmo. Era preciso dizer algo, qualquer coisa, perguntar a hora... Mas as palavras estavam travadas. Lico era só contemplação e silêncio. O tempo passou, o ponto passou, e ele desceu (três paradas depois do correto). Não disse nada. Mas a beleza da moça iluminou toda sua sexta-feira

JC

2 comentários:

Jojo Rocha disse...

Essa crônica me fez lembrar da matéria da Revista Piauí que chama-se: Maquiavel é a mulher mais feia do mundo - http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-33/anais-da-historia-florentina/maquiavel-e-a-mulher-mais-feia-do-mundo

JC disse...

Ok. Mas essa mulher da crônica é a mais bonita do mundo, não a mais feia, pelo menos foi isso que me contaram, o cronista não inventa nada, só reproduz o que houve e ouve.

Forte abraço.