REVOLUÇÃO MEXICANA

Introdução

As lutas revolucionárias e de libertação sempre se fizeram presentes no México, invasores estadunidenses, franceses e espanhóis foram combatidos no século XIX, no presente o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) luta nas montanhas de Chiapas e os movimentos sociais pelejam nas ruas de Oaxaca. A partir do desembarque dos invasores espanhóis a revolução social e a resistência sempre estiveram colocadas em terras mexicanas.

David Alfaro Siqueiros: A Nova Democracia (1954)


Porém, há exatos cem anos a insurgência mexicana atingia alto grau de intensidade. O ditador Porfirio Díaz mantinha o poder em suas mãos por décadas, não sem contestação, é bom que se diga. Os camponeses do sul já lutavam pela manutenção de suas terras comunais, o Partido Liberal Mexicano¹ (PLM) – de composição anarquista – promovia greves e movimentos guerrilheiros.
           
Mas foi a partir do final de 1910 que o processo revolucionário ganhou força. O líder anti-reeleicionista Francisco Madero havia se candidatado à presidência, mas foi preso e impedido de concorrer. Porfirio Díaz se reelegeu e Francisco Madero convocou a população à resistência armada. O levante teve início em 20 de novembro de 1910 às 18h. Combateram o ditador Díaz diversas forças: guerrilheiros anarquistas ligados ao PLM, setores da burguesia nacional descontentes e os exércitos camponeses de Francisco Villa e Emiliano Zapata. Porém, se o inimigo imediato dos combatentes era o mesmo, seus objetivos estratégicos eram diversos. Burgueses descontentes se insurgiam contra os interesses dos imperialismos estadunidense e europeu². Anarquistas pelejavam contra a propriedade privada, o capital e a igreja. Já o exército libertador do Sul, liderado por Emiliano Zapata, lutava contra a expropriação das terras comunais dos camponeses. A Divisão do Norte comandada por Pancho Villa combatia a exploração dos trabalhadores rurais e a concentração fundiária.

A heterogeneidade das forças revolucionárias coloca dificuldades para a compreensão do processo. A realidade mexicana é diferente da brasileira, apesar de também termos origens européias, indígenas e africanas, a proporcionalidade dos povos difere bastante. O México é mais indígena do que o Brasil, que é mais negro. Este fato se reflete na resistência dos dois povos, no sul do México o exército camponês, liderado por Emiliano Zapata, combateu a expropriação das terras comunais, herança dos povos indígenas. No Brasil a existência deste tipo de terras não é comum. Outra dificuldade de compreensão é a própria heterogeneidade da realidade mexicana, enquanto no sul os camponeses lutaram para garantir a posso de suas terras coletivas, no norte a luta esteve centrada na reforma agrária e na divisão dos latifúndios para os trabalhadores, em geral já assalariados, ainda que alguns recebessem em espécie e não em dinheiro. Além das diferenças regionais, saltam aos olhos as relações estabelecidas entre as forças políticas no contexto da Revolução. Como explicar o apoio dos operários de tendência anarquista da Casa do Obreiro Mundial (COM) às tropas constitucionalista/burguesas de Venustiano Carranza? Por que a COM não apoiou os exércitos camponeses revolucionários do Norte e do Sul? Por que os exércitos camponeses lutaram de forma tão pouco unificada? Qual foi a participação do Partido Liberal Mexicano na revolução?
           
Ao longo deste texto tentaremos lançar alguma luz sobre estas questões. Mas iniciemos com algumas palavras sobre a realidade mexicana imediatamente anterior à revolução para contextualizar os fatos.
           
A incorporação do México ao capitalismo mundial no século XIX ocorreu de forma dependente, exportando produtos primários e importando bens manufaturados. Os negócios mais rentáveis eram contralados por capitais europeus e estadunidenses. Os setores ferroviário e energético, as industrias extrativistas entre outros eram dominados quase que exclusivamente por capitais externos. Na industria têxtil o capital mexicano representava apenas 20% do montante total. Apenas nos segmentos tradicionais como a agricultura e o artesanato havia predominância de capital mexicano.
           
Os empregos industriais representavam 18% do total em 1900, caindo para 14% em 1910. A população mexicana era de aproximadamente 15 milhões de pessoas em 1910, sendo que, deste total, 9,5 milhões eram trabalhadores agrícolas sem terra, ou peones.
           
As propriedades comunais do sul e as pequenas propriedades do norte representavam um duplo obstáculo para o projeto de modernização conservadora e dependente das classes dominantes mexicanas. Por um lado, essas formas de propriedade limitavam a expansão dos grandes latifúndios; por outro, reduziam a mão de obra disponível, já que camponeses e indígenas retiravam seu sustento de terras próprias.      
           
É da resistência dos camponeses ao projeto de modernização conservadora e dependente das classes dominantes que surgiram as duas maiores forças revolucionárias mexicanas: a Divisão do Norte (Villa) e o Exército Libertador do Sul (Zapata). Essa resistência determinou a especificidade da Revolução Mexicana, camponeses e indígenas se lançam numa revolução não para transformar a realidade, mas para garantir suas formas tradicionais de vida que eram negadas pela penetração do capitalismo. Esta especificidade histórica determinou a concepção essencialmente agraristas dos guerrilheiros zapatistas e da Divisão do Norte. Estes últimos caminharam para posições antiimperialistas como a nacionalização das ferrovias e minas.
           
O movimento operário desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX com a chegada dos primeiros anarquistas europeus. No início do século XX funda-se o Partido Liberal Mexicano (PLM), que partindo da negação da ditadura Díaz caminha para posições anarquistas através de Ricardo Flores Magón entre outros. O jornal Regeneración chega ter 20 mil assinantes e começa a incomodar a ditadura porfirista. Ricardo Flores Magón e outras lideranças do PLM são encarceradas. Depois de solto Magón vai para os Estados Unidos e acaba preso outras vezes. Mas o jornal Regeneración continua a ser publicado e a incomodar os poderes estabelecidos.
           
Em 1912, no contexto da luta revolucionária, nasce a Casa do Obreiro Mundial (COM), de tendência anarco-sindicalista, ao menos em seus primeiros anos. Contudo, apesar da existência do PLM, da COM e de sindicatos organizados, o movimento operário urbano não hegemonizou a revolução como no caso russo. A aliança operário-camponesa não se estabeleceu, ocorrendo o inverso, operários da COM se aliaram às forças burguesas de Venustiano Carranza e Alvaro Obregón contra Pancho Villa e Emiliano Zapata.
             
Considerando esta peculiaridade da revolução mexicana iniciemos nossa análise das forças revolucionárias.

Partido Liberal Mexicano (PLM)

Dada a contradição entre os substantivos anarquismo e liberalismo, comecemos com palavras esclarecedoras Ricardo Flores Magón:
           
“Não creio no Estado. Luto pela irmandade humana universal. Considero o Estado uma instituição criada pelo capitalismo para subjugar e explorar o povo. Todo dinheiro do Estado representa suor, angústia e sacrifício dos trabalhadores.[...] Quando morto meus amigos quiçá escreverão em minha tumba “aqui jaz um sonhador”. Meus inimigos poderão escrever “aqui jaz um louco”. Mas ninguém poderá inscrever “aqui jaz um covarde e um traidor de seus ideais.”

 Esclareçamos de início que Ricardo Flores Magón foi o principal quadro político do PLM, partido que surgiu no início do século XX como oposição liberal à ditadura conservadora de Díaz, mas avançou para concepções anarquistas como as expressas no parágrafo acima. Magón sempre rechaçou a santíssima trindade capitalista: propriedade, religião e estado. E foi coerente, nunca traiu seus ideiais. Recusou cargos políticos oferecidos por Francisco Madero. Foi preso pela última vez por publicar artigos antimilitaristas, terminou seus dias assassinado numa cadeia dos Estados Unidos, poderia ter manifestado arrependimento publicamente para ser libertado, mas se recusou a fazer concessões ao Estado capitalista.
           
O proletariado mexicano cresceu à medida que o país se desenvolveu. Trabalhadores mexicanos recebiam menos que os estrangeiros, especialmente os estadunidenses. Nesse contexto ocorreram greves significativas no ano de 1906.
           
Em 1º de junho explodiu a greve da Cananea Copper Company, em Sonora. Exigiam-se a redução da jornada de trabalho para oito horas, a elevação do salário mínimo e o fim da discriminação dos trabalhadores mexicanos. Como as tropas mexicanas estavam distantes dos grevistas, os rangers do Estado do Arizona foram chamados para reprimir os grevistas. Este fato causou indignação entre os mexicanos. A greve terminou após dois dias de enfrentamento dos grevistas com as forças repressivas mexicanas, entre 30 e 100 pessoas morreram. Militantes do PLM tiveram importante participação na greve da Cananea.
           
No começo de dezembro estourou a greve na fábrica e Río Blanco, em Veracruz. Os grevistas exigiam redução das jornadas de trabalho e pagamento de horas extras. Os trabalhadores atacaram os armazens da empresa e o presídio da cidade, todos os detentos foram libertados. Ocorreram confrontos armados que causaram a morte de 200 trabalhadores e 25 soldados. O PLM também teve participação na greve de Río Blanco.
           
Após estas duas greves o Partido Liberal organizou algumas experiências guerrilheiras sem grande sucesso, seus combatentes terminaram dispersos, mortos ou capturados. Demorou alguns anos para que o PLM tentasse lançar outras guerrilhas, o que aconteceu no contexto da Revolução Mexicana. Em 29 de janeiro de 1911, 18 guerrilheiros do PLM tomaram a cidade de Mexicali. As forças guerrilheiras cresceram para 60 e depois 120 homens, incluindo 40 estadunidenses. O escritor Jack London redigiu um manifesto de apoio à guerrilha. As forças revolucionárias chegaram a contar com 500 homens, sendo 100 estadunidenses, mas foram derrotadas no final de junho.
           
Com a radicalização do PLM a partir de 1906, o partido sofreu deserções. Vale lembrar que o próprio Francisco Madero – liberal e futuro presidente – chegou contribuir financeiramente com o Jornal Regeneración. O partido liberal perdeu força após a derrota dos seus guerrilheiros, em 1911. Quadros importantes, como os irmãos Magón, estavam encarcerados nos EUA, outros como Praxedes Guerrero foram mortos, um terceiro setor do PLM aderiu às forças de Madero. A partir de então Partido Liberal praticamente deixou de existir. Apenas o jornal Regeneración continuou a ser publicado.
           
A incipiência da classe operária mexicana no início do século XX determinou boa parte das limitações do PLM, não era possível que o movimento operário hegemonizasse o processo revolucionário. Por outro lado, da mesma forma que aconteceria posteriormente com os anarquistas da Casa do Obreiro Mundial, os magonistas não perceberam o potencial revolucionário da luta dos camponeses do norte e do sul. Em Villa, Magón não enxergava nada além de alguém que queria poder, o que não é verdadeiro. Quanto aos camponeses revolucionários do Sul, Magón não aceitou o convite de Emiliano Zapata para se instalar e publicar o jornal Regeneración em solo zapatista.     

Casa do Obreiro Mundial (COM)

No ano de 1912, nasceu a Casa do Obreiro Mundial (COM) pelas mãos de trabalhadores mexicanos e de imigrantes, principalmente espanhóis ligados à CNT. A COM foi uma confederação de sindicatos de tendência anarco-sindicalista, que tinha a ação direta como sua principal arma de luta. Além da ação direta, a COM também trabalhou com educação popular como ferramenta para a emancipação operária.
           
A Casa do Obrero procurou manter uma posição de independência em relação às forças envolvidas na Revolução Mexicana, posto que não se reconhecia totalmente em nenhuma delas.
           
O governo Madero combateu a COM prendendo suas lideranças mexicanas e expulsando militantes estrangeiros. Este governo também promoveu a Grande Liga Obrera para dimunir a influência da COM. Mas a força da Casa do Obreiro seguiu aumentando.
           
Em 1913, Madero foi derrubado e assassinado por Victoriano Huerta. No primeiro de maio desse ano a COM organizou uma marcha com cerca 20.000 para lembrar e homenagear os mártires de Chicago. Huerta respondeu com a detenção de lideranças e o fechamento da Casa do Obreiro.
           
Huerta foi derrotado em julho de 1914 pelas forças villistas (norte), carrancistas (centro) e zapatistas (sul). A Cidade do México chegou a ser tomada pelas forças zapatistas e villistas.
           
Apesar de não reconhecer suas demandas em nenhuma das três forças militares, a intensificação da luta exigiu um posicionamento da COM. As forças camponesas do sul e do norte, não estavam inseridas nas cidades e não expressavam totalmente as reivindicações do proletariado urbano. Os Zapatistas chegaram a propor a jornada de trabalho de oito horas, salário mínimo fixo, a proibição do trabalho infantil (menores de 14 anos) e a gestão por cooperativas das empresas abandonadas. Mas não contemplaram o controle da propriedade de estrangeiros, a igualdade entre trabalhadores mexicanos e estrangeiros, o direito de greve e a garantia de liberdade sindical.   
           
Além das questões programáticas, havia uma barreira significativa entre zapatistas e anarquistas, enquanto estes eram anti-clericais, aqueles eram bastante religiosos. Neste contexto, Carranza prometeu respeitar as demandas da COM, incluindo a liberdade de ação e organização, assim estabeleceu-se acordo entre as partes. Criaram-se os batalhões vermelhos, formados por operários e que combateram as forças camponesas de Zapata e de Villa.          
           
Ao contrário de outras revoluções, a aliança operário-camponesa não se estabeleceu no México. Mas a adesão da COM às forças carrancistas não foi total. Alguns se juntaram a Villa e outros (Soto y Gama, por exemplo) aderiram aos zapatistas. Ricardo Flores Magón, que estava encarcerado nos EUA, condenou o pacto da Casa do Obreiro Mundial com Carranza. De qualquer forma, o que explicaria a adesão da maior parte dos membros da COM às forças carrancistas (de tendência liberal burguesa)?
           
Certamente esta questão não pode ser respondida por um único fato. Listemos os acontecimentos que determinaram a aliança de Carranza com a Casa do Obreiro Mundial. A religiosidade das forças camponesas ia de encontro ao anticlericalismo da COM, o que impedia uma aproximação maior entre ambos. Carranza foi capaz de formular um programa mais próximo das demandas da Casa do Obreiro, especialmente quando prometeu a liberdade de organização e ação sindical, é possível que os anarco-sindicalistas imaginassem que com a liberdade de organização seria mais fácil promover sua política. Por último vale destacar que as lideranças mais combativas e radicais da COM haviam sido presas ou expulsas do México, o que enfraqueceu o setor favorável à ação direta e abriu caminho para a chamada política da ação múltipla, que visava a promoção de reformas parciais capazes de possibilitar avanços pontuais para os trabalhadores.
           
A união do movimento operário com os liberais burgueses carrancistas foi um fato mais simbólico do que prático, os batalhões vermelhos não tiveram uma participação militar determinante.
           
O acordo da Casa do Obreiro com as forças de Venustiano Carranza durou pouco, este não o cumpriu e aqueles convocaram uma greve de protesto que foi duramente reprimida. Ou seja, assim que puderam prescindir do apoio dos operários, as forças burguesas romperam os acordos estabelecidos e tocaram seu projeto próprio de poder. Carranza fortaleceu outra central sindical (CROM – Confederação Geral do Trabalho) e tratou de a atrelar ao estado, neutralizando-a politicamente. A partir de então a Casa do Obrero Mundial perdeu força.
           
Analisando o acordo da Casa do Obrero com Carranza atualmente, com a mediação de quase cem anos e de outros processos revolucionários, percebe-se que tal acordo representou a morte da COM e um grave retrocesso para o movimento operário mexicano. Mas sabemos que a luta revolucionária concreta é infinitamente mais complexa. A questão é discutir até que ponto outra opção histórica seria possível e acessível no calor dos acontecimentos e, principalmente, não incorrer em semelhantes equívocos. O que só é possível quando se conhece em profundidade a realidade em que se atua.

Emiliano Zapata e o Exército de Libertação do Sul

A guerrilha zapatista nasceu no sul do México, mais precisamente no Estado de Morelos. A resistência surge como resposta à expropriação de terras comunais por latifundiários. É esta especificidade que determinará a concepção política dos guerrilheiros do sul, estava em jogo a manutenção das formas de vida estabelecidas. Neste sentido a guerrilha zapatista é mais um movimento de recusa do que de transformação, é o avanço dos latifúndios sobre as comunidades que determina a resposta armada.
           
José Clemente Orozco: Zapatistas (1936)


Emiliano Zapata tinha 30 anos quando foi escolhido como comandante dos camponeses na luta contra o latifúndio. Zapata dominava como poucos o ofício de tratar de cavalos, mas foi como comandante guerrilheiro que entrou para história. As forças zapatistas não adotavam a rígida hieraquia militar, como os villistas e carrancistas. Pode-se dizer que Emiliano Zapata era um coordenador de forças descentralizadas, mas ligadas pela origem social homogênea. 
           
Os guerrilheiros do sul começaram com 80 homens armados com alguns rifles e facões. Cresceram e lutaram por vários anos. Resistiam com técnicas de guerrilha, as tropas inimigas encontravam sempre aldeias vazias, a população se refugiava nos montes, neste processo a guerrilha se fortalecia com o intercâmbio entre combatentes e populares. As comunidades vazias eram queimadas e destruídas, mas os zapatistas saiam fortalecidos. O apoio da população respaldava as forças de Zapata.
           
A concepção política dos guerrilheiros zapatistas está contida principalmente no “Plano de Ayala” de 1911, neste documento exige-se a devolução das terras expropriadas das comunidades durante a ditadura de Porfirio Díaz e a distribuição das terras dos grandes latifúndios. Estas revindicações simples determinaram a radicalidade zapatista. O Estado mexicano composto por latifundiários não cederia terras, os burgueses liberais não podiam aceitar a propriedade comunitária, os camponeses, por outo lado, não recuariam em seus princípios.
           
Os zapatistas lutaram contra Madero quando este não cumpriu seu programa agrário, depois contra Huerta e por fim contra Carranza, até que Zapata foi assassinado em uma emboscada armada por um traidor a mando do estado mexicano.
           
As reivindicações agrárias dos zapatistas portavam uma radicalidade inaceitável para as forças burguesas, inclusive as de Carranza. A propriedade coletiva defendida pelos zapatistas era um obstáculo para o avanço do capitalismo mexicano ao garantir a posse da terra e o sustento autônomo das comunidades. Às forças burguesas interessava a proletarização dos camponeses para o fornecimento e barateamento da força de trabalho, impulsionando assim o capitalismo mexicano. Além disso, como as comunidades do sul eram capazes de produzir a maior parte dos produtos de que necessitavam nas suas próprias terras, as coletivizações zapatistas representavam um sério entrave para o capitalismo mexicano, já que o mercado interno ficava contido.
           
O setor liberal burguês representado pelos carrancistas não podia aceitar as terras comunais do sul, sendo assim, era preciso destruir os zapatistas. Mas estes dominavam o campo de batalha e contavam com o apoio das comunidades, o que os tornava uma força difícil de ser batida, a solução encontrada foi a eliminação de Zapata numa emboscada armada por um traidor em 1919 e, posteriormente, a cooptação de lideranças das forças do sul. Dessa forma, as forças zapatistas começaram a ser derrotadas.
           
O enraizamento dos zapatistas nas comunidades do sul do México determinou a força do movimento e também seus limites. A legitimidade e a representatividade dos zapatistas os fazia forte. Por outro lado, por serem essencialmente camponeses, os zapatistas não se propunham a tomar o poder, lutavam para garantir suas formas tradicionais de viver, que eram atacadas pelo avanço das relações capitalistas. O poder militar zapatista se restringia às comunidades camponesas, sua capacidade militar ofensiva, ou seja, longe dessas comunidades, era pequeno. Esse localismo zapatista também impediu que o Exército Libertador do Sul se juntasse de forma mais efetiva à Divisão do Norte.
           
A radicalidade do movimento zapatista não era compatível com o desenvolvimento capitalista do México, nesse contexto, a religiosidade do movimento e seu localismo eram secundários. Mas os anarquistas, em sua grande maioria, não perceberam a radicalidade dos zapatistas e aliaram-se aos seus inimigos burgueses.
           
Conhecendo um pouco melhor a história da luta dos guerrilheiros zapatistas do início do século XX, compreende-se porque o atual Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) reivindica em seu nome a figura de Emiliano Zapata. Há uma linha de continuidade entre o exército dos camponeses do sul do México e os guerillheiros das montanhas de Chiapas (EZLN), apesar das inovações propostas pelo EZLN e do espaçamento temporal que os separa. As duas forças são legitimas representantes das comunidades do sul do México, com todas as suas limitações e possibilidades.

Pancho Villa e a Divisão do Norte
           
Villa nasceu José Doroteo Arango e trabalhou numa fazenda até os 17 anos, quando o proprietário assediou sua irmã. Em uma emboscada Doroteo tentou matar o estuprador, que foi ferido. Desde então passou a ser perseguido e tornou-se “bandido”, inclusive adotando o nome Pancho Villa, que era de um antigo bandido do norte do México. Villa fazia questão de ser chamado de bandido, já que roubava para sobreviver e para distribuir aos pobres e necessitados. Para ele ladrões eram os ricos.     
           
Nos primeiros anos da Revolução as forças villistas chegaram a ser as mais poderosas do México, venceram importantes batalhas ao lado de Francisco Madero e posteriormente contra Huerta.
           
No final do século XIX o norte do México sofreu um intenso processo de concentração de terras. Os camponeses expropriados foram transformados em mão de obra barata para as mineradoras e grandes fazendas. O capitalismo avançava.
           
Em outubro de 1910, os maderistas que organizavam a revolução no estado mexicano de Chihuahua entraram em contato com Villa para integrá-lo às forças anti-porfiristas. Dessa forma, Pancho Villa aderiu à luta revolucionária juntamente com alguns companheiros de “bandidagem”.
           
Pancho Villa e suas tropas venceram importantes batalhas e foram decisivos para a vitória de Madero, depois Villa se retirou da vida pública. Até que teve início um golpe para derrubar Francisco Madero. Villa lutou contra os golpistas ao lado de Victoriano Huerta, que o trairia e o prenderia. Pancho Villa escapou da execução devido à intervenção de Madero. Na cadeia Villa conhece as idéias zapatistas e chega a ser alfabetizado através da obra Don Quixote de la Mancha.
           
Huerta estabele um acordo com os golpistas, assassina o presidente Madero e toma o estado. Era a volta das elites porfiristas ao poder. Villa entra na luta contra Huerta ao lado das tropas de Venustiano Carranza, único governador do México que não reconheceu o novo governo. Os carrancistas se definem como defensores da constituição liberal de 1857, passando a ser chamados de constitucionalistas. As tropas villistas começam a ser conhecidas com Divisão do Norte. A participação de Pancho Villa e suas tropas é decisiva. Huerta é derrotado e foge. Neste momento a Divisão do Norte é a principal força militar revolucionária.
           
O apoio dos camponeses e o conhecimento do campo de batalha tornavam a Divisão do Norte uma força importante. Villa soube adaptar sua tropa às características dos camponeses, inclusive incorporando a tradição de luta dos mexicanos do norte. Além disso, os villistas adotam inovações militares, como o transporte de tropas por trem.
           
A base das forças villistas eram os camponeses pobres. Dessa forma, assim como para os zapatistas, para os villistas a questão da terra era fundamental. Sendo assim, essas tropas promovem a expropriação das grandes fazendas nos seus domínios, com a diferença de que os zapatistas privilegiam as terras comunitárias enquanto villistas promoveram as pequenas propriedades.
           
O programa político da Divisão do Norte foi avançando para posições mais radicais à medida que a Revolução colocava questões concretas. Os villistas lutaram primeiramente ao lado de Francisco Madero contra Porfirio Díaz, depois com Carranza e os constitucionalistas contra Huerta.
           
As forças zapatistas e villistas eram formadas essencialmente por camponeses pobres. Mas apresentavam algumas diferenças significativas devido às diferenças sociais, culturais e econômicas entre o sul e o norte do México. Os zapatistas eram religiosos, os villistas eram anticlericais. Os zapatistas lutaram sempre de forma independente de outras forças políticas, seu objetivo principal era a restituição das terras comunais, a luta tendeu a perder seu poder ofensivo quando conseguiram atingir seus objetivos, em 1915. Já as tropas villistas eram compostas por mineiros, vaqueiros, ferroviários, desempregados, bandidos e, principalmente, camponeses. As propriedades comunais do sul não existiam no norte do país, sendo assim, as forças villistas não tinham a mesma ligação com a terra, eram mais móveis.
           
Enquanto os zapatistas combatiam com técnicas de guerrilha, os villistas utilizavam a guerra de posição tradicional aliada às formas de luta tradicionais dos camponeses do norte.
           
A Divisão do Norte venceu as batalhas mais importantes na luta contra Huerta, e seria a primeira força a chegar à Cidade do México em 1914, mas o chefe constitucionalista Venustiano Carranza cortou o fornecimento de combustíveis de Villa para impedir seu avanço, o que possibilitou que as forças constituionalistas de Álvaro Obregón chegassem à capital antes que os villistas.
           
Com a derrota de Huerta, as diferenças entre os revolucionários vencedores tornaram-se insustentáveis. Os programas agrários radicais dos camponeses villistas e zapatistas não eram compatíveis com o reformismo burguês das forças constitucionalistas. Em outubro de 1914 ocorre uma convenção reunindo as três principais forças vitoriosas: Exército Libertador do Sul (Zapata), Divisão do Norte (Villa) e Constitucionalistas (Carranza e Obregón). A convenção elege um novo presidente interino e afasta Venustiano Carranza. Os constitucionalistas não reconhecem a decisão da convenção e se retiram. Em dezembro de 1914, Emiliano Zapata e Pancho Villa entram na Cidade do México, era o ápice da revolução camponesa.
           
No final de janeiro de 1915 as forças constitucionalistas de Álvaro Obregón retomaram a Cidade do México. Em abril do mesmo ano os villistas tentaram romper o cerco dos constitucionalistas atacando a cidade de Celaya, mas são derrotados. Posteriormente a Divisão do Norte seria vencida também nas batalhas de Léon e Aguascalientes.
           
As forças villistas são reorganizadas e continuam combatendo, mas sem o mesmo poder de fogo. Mas mesmo fragilizadas, as forças de Villa atacaram o território estadunidense em 1916, os EUA respondem com suas expedições punitivas, invadem o México para capturar Villa, mas fracassam.
Em meados de 1920, Villa negocia um cessar fogo com o presidente interino Adolfo de la Huerta, que cede uma fazenda no estado mexicano de Durango aos villistas. Três anos depois Pancho Villa seria assassinado a mando do então presidente Álvaro Obregón.
             
Constitucionalistas

Por reivindicarem a constituição liberal de 1857, as forças lideradas por Venustiano Carranza e Álvaro Obregón ficaram conhecidas como constitucionalista. Carranza era filho de proprietários rurais, no início da Revolução combateu ao lado de Francisco Madero. Era governador do estado mexicano de Coahuila quando ocorreu o golpe de Huerta contra Madero.
           
As tropas constitucionalistas de Carranza e Obregón eram formadas principalmente pelas antigas forças repressivas locais.
           
Carranza foi o único governador que não reconheceu o governo Huerta. Politicamente, Carranza representava os setores burgueses descontentes. Seu programa era liberal, estatista e nacionalista. Liberal porque defendia a propriedade privada e era também anticlerical. Estatista porque buscava promover o avanço da economia através do estado. Nacionalista porque visava o fortalecimento do capitalismo mexicano. Para tocar seu projeto, Carranza não hesitou em estabeler acordos que não cumpriu, como o firmado com a Casa do Obreiro Mundial.
           
Inicialmente, Carranza chefiava as forças constitucionalistas, que incluíam as tropas de Villa e Obregón. Após a vitória sobre Huerta, Carranza firmou um acordo com Villa, este reconheceria aquele como presidente interino, mas o próximo presidente eleito não poderia ser um ex-general envolvido na luta e a distribuição das terras aos camponeses deveria continuar. Para Carranza, o acordo era uma forma de acumular forças e de adiar o confronto com Villa.
           
Após a vitória dos constitucionalistas, o antigo exército nacional é dissolvido e substituído pelas forças revolucionárias. Era o fim do antigo exército porfirista.
           
Entre 10 de outubro de 1914 e 09 de novembro do mesmo ano ocorre a Convenção de Aguascalientes, as forças revolucionárias zapatistas, villistas e carrancistas se encontram para definir o futuro do país. A Convenção decide afastar Carranza e elege Eulálio Gutiérrrez Ortiz. Gutiérrez foi um liberal com passagem pelo PLM, participou da luta contra Porfírio Díaz no partido antireeleicionista de Francisco Madero e, posteriormente, combateu ao lado das forças constitucionalistas de Venustiano Carranza.
           
A Convenção significou um acordo mínimo entre zapatistas e villistas. As forças constitucionalistas se retiraram e depois atacam a Cidade do México, em janeiro de 1915. A partir de então a Revolução Mexicana se transforma no conflito entre camponeses e burgueses. O proletariado urbano representado pela Casa do Obreiro Mundial combate ao lado das forças burguesas e é traído pelas mesmas após a vitória dos constitucionalistas, os batalhões vermelhos dos trabalhadores foram dissolvidos e as lideranças da COM foram presas.
           
Em agosto de 1915 os constitucionalistas retomam definitivamente a Cidade do México. Dois meses depois o governo de Carranza é reconhecido pela comunidade internacional. Em 31 de janeiro de 1917 aprovou-se uma nova constituição para o México, as demandas dos operários e camponeses são contempladas, mas não são cumpridas. A burguesia havia se estabelecido no poder, apesar da luta dos zapatistas e villistas, que prosseguiam isoladas nos estados do sul e do norte.

Arte e Revolução

Os processos de transformação social, se realmente revolucionários, se fazem presentes na totalidade das comunidades, da economia à política e das relações pessoais à cultura. As transformações sociais se refletem inclusive nas artes.

Diego Rivera: A gloriosa vitória (1954)


No final de 1914, com a entrada das forças villistas e zapatistas na Cidade do México, um país indígena, mestiço, camponês e rural surgiu diante de outro urbano e voltado para a Europa. O contraste se fez presente. Nas artes é principalmente através das pinturas muralistas que o México indígena, mestiço e rural começa a se buscar e a tentar se descobrir. Nos anos 1920, nasceu a arte muralista mexicana, através dos pintores David Siqueiros, José Orozco, Diego Rivera.

A pintura muralista mexicana foi uma tentativa de criação de uma arte coletiva e revolucionária, ao mesmo tempo livre das limitações dos museus, cavaletes e colecionadores particulares, posto que as pinturas se faziam em espaços públicos e acessíveis a todos. Por outro lado, é através do muralismo que o México profundo, indígena e camponês, começa a se mostrar e a se pensar. Inclusive porque a própria arte dos murais era uma herança dos povos indígenas do México pré-colombiano, que pintavam as fachadas das suas cidades. Neste sentido, a “pintura de cavalete” é identificada como burguesa e negada em nome de uma arte coletiva e acessível, herdada dos indígenas.

O muralismo ganhou força nos anos 1920 quando intelectual José Vasconcelos era ministro da educação do México, nesta época os pintores tiveram apoio e liberdade para se expressar. Mas este quadro não se manteve nos anos seguintes. As disputas ideológicas começaram a se expressar na arte muralista, as concepções de mundo e da própria revolução estavam em questão e se enfrentavam. Este confronto ideológico é nítido nas pinturas.

Nos murais “Sufrágio efectivo, não-reeleição” de Juan O’ Gorman e “A constituição de 1917” de Jorge González Camarena, as lideranças burguesas ganham destaque, Francisco Madero e Venustiano Carranza respectivamente. Como se a Revolução Mexicana tivesse começado com o levante de Francisco Madero em 1910 e se encerrado com a constituição de 1917 promulgada no governo de Venustiano Carranza. O povo e a luta de classes são colocados em segundo plano. Esta é a visão oficial da Revolução, que inclusive dominou o Museu Nacional de História do México.

Por outro lado, podemos citar as pinturas de David Siqueiros como negação da visão burguesa, em Siqueiros o povo mestiço e indígena é protagonista da Revolução, por exemplo no mural “Do porfirismo à revolução – Greve de Cananea e os precursores”. Além disso, o confronto e desarmonia também aparecem nas pinturas de David Siqueiros e contrastam com a visão harmônica da burguesia. Veja-se, por exemplo, as pinturas “Ecos de um grito” e “A nova democracia”. 
           
A cultura popular mexicana também cantou e narrou a Revolução através de seus corridos, que são uma espécie de cordel musicado. Nos corridos as figuras e feitos de Zapata e Villa é que são destacados.

No corrido sou zapatista do estado de Morelos, canta-se: “sou zapatista do estado de Morelos, porque proclamo o Plano de Ayala e de São Luis, se não o cumprem o que ofereceram ao povo, com armas os faremos cumprir.”
           
Os feitos militares de Pancho Villa também foram cantados: “mil novecentos e catorze, vinte e três de junho, foi tomada Zacatecas entre as cinco e as seis.” A perseguição das tropas estadunidenses a Villa também aparece nos corridos: “os de cavalo não podiam se sentar, os de a pé não podiam caminhar; então Villa passa em um avião e do céu lhes grita: good bye.”

Conclusão                

Passados cem anos do levante de Francisco Madero, iniciado às 18h de 20 de novembro de 1910, a Revolução Mexicana continua atual. Trata-se de um processo difícil de classificar. Foi uma revolução burguesa, nacionalista, camponesa e antiimperialista. Oscilou para cada um destes extremos conforme a luta avançava ou recuava.  
           
Apesar da presença dos anarquistas nas áreas urbanas, o México do início do século XX era um país predominantemente agrário. Sendo assim, o proletariado urbano não pode comandar o processo revolucionário, sequer a aliança operário-camponesa chegou a se estabelecer. A Casa do Obreiro Mundial, que hegemonizou o movimento operário entre 1912 e 1918, aliou-se aos setores burgueses (constitucionalistas) contra os villistas e zapatistas. Os batalhões vermelhos (COM) chegaram a combater zapatistas e villistas. O acordo da Casa do Obreiro com os constitucionalistas só foi possível depois que os setores mais radicais da COM foram enfraquecidos com encarceramentos e deportações de estrangeiros. Assim debilitou-se o setor operário defensor da independência de classe e da ação direta. Após a vitória dos burgueses constitucionalistas não foram cumpridos os acordos firmados com os trabalhadores. Houve uma greve de protesto e as lideranças da COM foram presas e condenadas à morte, o que não chegou a acontecer.
           
Ideologicamente, a Casa do Obreiro Mundial estava muito mais próxima dos zapatistas, ambos empregavam a ação direta e eram autônomos em relação às outras forças. Entretanto, a religiosidade dos zapatistas era uma barreira à aproximação dos operários. Mas a religiosidade não pode ser apontada como única responsável pela não concretização da aliança operário-camponesa. Vale lembrar que os villistas eram anticlericais, mas mesmo assim não estabeleceram alianças com o proletariado urbano representado pela COM.
           
É a maior habilidade política e de negociação das forças burguesas (constitucionalistas) que explica aliança da Casa do Obreiro com Carranza. Os carrancistas estabeleceram o acordo com proletariado após isolarem e neutralizarem os setores mais radicalizados deste. Os ativistas mais radicais e destacados da COM começaram a ser presos e expatriados, se estrangeiros, após a homenagem aos mártires de Chicago em 01 de maio de 1913, ainda no governo de Huerta. As detenções e expatriações debilitaram os setores da COM que defendiam a independência de classe e a ação direta. Por outro lado, as forças constitucionalistas apresentaram um programa político mais amplo que os zapatistas e villistas. Em troca do auxílio armado da Casa do Obreiro, os constitucionalistas garantiriam o direito de greve e a autonomia sindical. Assim que puderam prescindir do apoio operário, os constitucionalistas romperam o acordo, inclusive prendendo e ameaçando grevistas com pena de morte.
           
Villistas e zapatistas, devido à origem agrária e camponesa, não poderiam contemplar em seus programas políticos reivindicações essencialmente urbanas e operárias como a independência sindical e o direito de greve. Vale dizer que a greve como método de luta não estava sequer colocada como possibilidade para os camponeses. As forças burguesas de Carranza se mostraram politicamente mais habilidosas, inclusive para contornar sua debilidade militar em relação às forças camponesas à época da Convenção de Aguascalientes, no final de 1914. Os carrancistas procuraram ganhar tempo e estabelecer acordos para poder enfrentar as forças camponesas. O acordo que firmaram com o proletariado foi parte deste processo.
           
A negociação da Casa do Obreiro com os constitucionalistas representou uma grande derrota para o proletariado e praticamente determinou o fim da COM. Os carrancistas romperam o acordo assim que tiveram força política e militar para prescindir da aliança. Em 1918 surgiu a CROM (Confederação Regional Operária Mexicana) que, apoiada pelo estado, reduziu a influência da COM.
           
Ricardo Flores Magón continuou publicando o Regeneración, mas passou a maior parte dos seus dias preso nos EUA Magón condenou a aliança do proletariado com os constitucionalistas. Mas estava distante e não tinha grande capacidade de atuação sobre o desenrolar dos fatos. Politicamente Magón estava próximo aos zapatistas, que inclusive o convidaram para a publicar o Regeneración a partir de solo mexicano, o que não chegou a ocorrer. Especula-se que Magón julgava importante permanecer nos EUA como forma de impedir uma invasão do México.
           
Com a derrota da Divisão do Norte nas batalhas Celaya, León e Aguascalientes as forças burguesas passam a hegemonizar a Revolução. A aliança militar entre villistas e zapatistas se mostrou frágil, os últimos não participaram das batalhas de Celaya, León e Aguascalientes. Villa acusou os zapatistas de não terem cortado as rotas de abastecimento dos constitucionalistas. Ocorre que os camponeses zapatistas haviam reconquistado suas terras, ou seja, sua principal reivindicação havia sido alcançada, ao menos provisoriamente. O zapatistas não perceberam que ao norte seu destino estava sendo selado. Após derrotarem os villistas, as tropas constitucionalistas intensificam a luta contra os zapatistas, que resistiram por mais quatro anos, até o assassinato de Emiliano Zapata em uma emboscada organizada pelos constitucionalistas. Com a eliminação de Zapata, os carrancistas negociam com os setores menos radicalizados do zapatismo. Repete-se o que já havia acontecido com a Casa do Obreiro Mundial, as forças burguesas eliminam as lideranças radicais e negociam com os setores menos engajados.
             
Limitadas pela origem rural, as forças camponesas villistas e zapatistas não chegaram forjar um projeto revolucionário para o México. Enquanto os villistas evoluíram para posições mais progressistas com o avanço da luta, os zapatistas combateram de forma relativamente independente das outras forças, para estes a questão essencial era garantir as terras coletivas. Por outro lado, nem mesmo os anarquistas mais radicais, ligados a Ricardo Magón, forjaram um projeto coerente de transformação revolucionária. Magonistas e zapatistas não chegam a integrar suas lutas.
           
A hegemonia das forças constitucionalistas após 1915 só pode ser compreendida como determinação das condições histórico-sociais concretas. Foram essas condições que determinaram os limites políticos da Divisão do Norte e do Exército de Libertação do Sul. De qualquer forma, a luta dos camponeses e operários deu origem à constituição mexicana de 1917, que é reconhecida como uma das mais progressistas da época. Os artigos sobre a posse das terras e as relações de trabalho não foram adotados na totalidade e imediatamente, mas chegaram a ser colocados parcialmente em vigor à medida que a luta de classes avançou nos anos posteriores à Revolução.
           
Calcula-se que 1 milhão de mexicanos perderam a vida nos primeiros anos da Revolução. As figuras mais expressivas da Revolução Mexicana terminaram seus dias assassinadas: Francisco Madero, Emiliano Zapata, Pancho Villa, Venustiano Carranza, Ricardo Flores Magón e Álvaro Obregón. Essas mortes mostram a radicalidade do processo revolucionário.
           
A heterogeneidade das forças envolvidas e as suas reivindicações não permite que se defina a Revolução Mexicana como burguesa. Certamente foi muito mais que isso. Mas é a burguesia nacional que saiu vitoriosa do processo revolucionário. Como ensinou Marx, as idéias dominantes são as da classe dominante. Sendo assim, o ponto máximo da Revolução Mexicana, segundo a história oficial, é a promulgação da constituição de 1917, as figuras principais são as de Madero e Carranza. Como mostra Camilo de Mello Vasconcelos, são essas personalidades que se destacam na Sala da Revolução, no Museu Nacional de História do México.   
           
Para finalizar, comparando o Exército de Libertação do Sul, de Emiliano Zapata, com o Exército de Zapatista de Libertação Nacional, do Subcomante Marcos, percebe-se que as semelhanças não se restringem ao nome. O EZLN pode e deve ser compreendido não como continuação da luta das forças de Zapata, mas sim como continuidade da luta das comunidades camponesas e indígenas do sul do México. Sendo assim, a palavra que melhor define a Revolução Mexicana de 1910 é inconclusão, trata-se de um processo aberto.

  
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Um comentário:

Anônimo disse...

Olha amigo, esse texto demorei muito de ler,mas ao terminar um suspiro, que pela apresentação da revolução mexicana. Acho que nunca vi nada assim completo na NET...acho algo(não muito confiavel) no wikepedia. Você parece ser alguém bem estudioso, pois a historia é bem ampla e extensa. Mais algo para minha coleção, parabens pela dedicação, está bem claro e bem objetivo e principalemnte parabens pela coragem de escrever o que ninguem escreveu ou não teve coragem de escrever ja que a america latina é algo tão esquecido. Fico feli por alguem lembrar dessa terra cheia de história...