SE NADA MAIS DER CERTO (DE JOSÉ EDUARDO BELMONTE)

 “Acontece que os cenários desabam. Os gestos de levantar, bonde, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça, quarta e quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, essa estrada sucede-se facilmente a maior parte do tempo. Um dia apenas o porquê desponta, e tudo começa com esse cansaço tingido de espanto.” (Albert Camus – O Mito de Sísifo) 

Primeiro plano: um jornalista endividado, uma traficante de drogas e um taxista com tendências suicidas. Segundo plano: uma drogada em tratamento, uma empregada sem salário e sem ter para onde ir, um garoto singelo e todo um time de aplicadores. Pano de fundo: São Paulo. Assim se articula a trama de Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte.

Os “cenários desabam”. As pessoas se arrastam nos escombros: puteiros, botecos, pensões. Surge o mundo intencionalmente varrido para baixo do tapete persa da novela global. É a ressaca permanente da sociedade do consumo.

A desesperança choca. As olheiras causam enjoo. Não é um filme para se assistir comendo pipoca.

O capitalismo não só sobrevive como se expande na barbárie. Nunca antes na história desse país a história foi tão miserável. Mas a poesia também sobrevive à barbárie. A película capta a poética do apocalipse: o garoto desenha com lápis de cor em contas não pagas; o taxista ensaia seu suicídio no telhado de um prédio; as pessoas tomam banho de mar e cantam, num espasmo de anticoisificação.

Em Caçadores de Emoção, de Kathryn Bigelow, surfistas assaltantes com máscaras de ex-presidentes estadunidenes roubavam bancos, em Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, as personagens com máscaras de ex-presidentes brasileiros roubam a bufunfa não declarada da campanha presidencial de 2006. Num ondas e praias da Califórnia, noutro concreto e prédios de São Paulo (apesar da cena no mar). Mas em ambos a opção pelo crime como forma de libertação individual.

Lembro-me da sensação causada por Caçadores de Emoção. Brotou-me o tal “porquê” Ônibus, metrô cheio, quatro horas de trabalho, dois quilos de papel na mesa, marmita, quatro horas de trabalho, três quilos de papel na mesa, metrô cheio, ônibus, jantar, sono. Pra quê? Por que não sair à caça de emoção? 

Exatamente essa opção que choca. E é curioso porque se o lema máximo é topar tudo por dinheiro, consumir mais e mais, se nada mais der certo... Por que não se apropriar de dinheiro sujo de campanha eleitoral?

O filme vale por ajudar a despertar os “por ques” e o “porquê”, incluindo o “cansaço tingido de espanto.” Exatamente por essa razão ele agradará uns e outros não.   


Se nada mais der certo. Brasil 2009. 120 min. Drama. Diretor: José Eduardo Belmonte. Atores: João Miguel, Cauã Reymond, Caroline Abras, Luíza Mariani.


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