O crepúsculo do Pedrão

Os tempos mudaram. Não se conquista mais uma mulher com poemas do Vinicius de Morais, nem com o Soneto da fidelidade. “De tudo ao meu amor serei atento”, neste ponto a moça já não está mais atenta a nada, e isso se já não estiver dando atenção para outro. Pedrão sabia bem disso, aprendeu na prática. Recitar seus próprios versos então... Loucura! Tentou uma vez para nunca mais, seu envolvimento com as artes poéticas foi em vão, não atingiu o objetivo esperado.


Infelizmente Pedrão é um homem fora do seu tempo, atrás do seu tempo, apesar de que não suficientemente atrás. Bom mesmo eram os anos dourados das cavernas, sem poemas, sem versos, tudo no tacape e na marra. Mulher se pegava pelos cabelos e pronto (pensava ele, Pedrão, deixemos claro, o cronista não tem nada a ver com isso). Mas Pedrão tinha náuseas só de pensar no que fariam com a sua irmã ou com a Marcinha naquela época. Por outro lado, nas baladas do Paleolítico as meninas não eram como as atuais. Não havia lorotas como dor de cabeça, te vejo apenas como amigo, vim só pra dançar e coisas do tipo.


Se fosse naquela época Pedrão não precisaria se rebaixar a passear em shoppings e a dar opiniões sobre cachecóis. Sim! Sim! E a Marcinha não faria o que faz. Onde já se viu dar esperança e depois escapulir na hora h? Isso poderia até ser carma de outras encarnações, mais precisamente daquelas dos tempos dos homens de Neandertal, quando o Pedrão levava a Marcinha para dentro das cavernas da Europa, no Paleolítico Inferior. Mas para dentro do quarto que é bom! Nada!


Sim, Pedrão acredita que seu amor pela Marcinha data da época das cavernas e de outras encarnações. Mas ele não conseguia se adaptar às novas regras, e vivia sob o peso de ter seus caracteres hereditários riscados do mapa genético da humanidade pela seleção natural.


Tudo que ele havia visto nos filmes de faroeste estava também superado, as garotas não se atraíam pelos mais valentes, infelizmente. É triste, mas é real. Hoje em dia valentia não é a solução, ser um Clint Eastwood dos trópicos não resolve nada, pelo contrário, até atrapalha, e muito!


Seus versos? Talvez eles até tivessem espaço nos anos de João Gilberto e da Bossa Nova, naqueles calçadões iluminados de Copacabana. Mas estes são tempos de funk e de axé music, o que incomoda até o Neandertal que há no Pedrão. Desgraçadamente ele estava estacionado (na escala evolutiva) em algum ponto entre homem de Cro-Magnon e o Vinicius de Morais, numa posição geneticamente muito distante e incompatível com as mutações da pós-modernidade, especialmente com as mulheres fruta: melancia, jaca etc.


Mulher mesmo era só a sua mãe! Que criou seus irmãos e só conheceu seu pai. O resto não é a mesma coisa. É por isso que sua irmã só ia para as baladas se fosse com ele, e se insistisse muito. Afinal, esses ambientes não são para damas de respeito, alguma vigilância e alguma proteção são indispensáveis. Não é nesses ambientes que o Pedrão espera encontrar a Marcinha, até porque seria impossível proteger sua irmã e a Marcinha ao mesmo tempo.


Era preciso mais romantismo e mais agilidade, mais concisão, mais objetividade. Mas não em excesso, essa história de já chegar chegando também não resolvia. Se não imagine só: nas bodas de prata ou nas de brilhante (pior ainda) alguém pergunta para o Pedrão como ele conquistou a Marcinha, ao que ele dispara um já cheguei beijando.  


Não dá! Não cairia bem! Além disso, lá no fundo Pedrão é um romântico, não chegaria a dar um buquê de flores e um cartão com versos do Vinicius de Morais, mas não por falta de vontade. O ideal seria conquistar dessa forma a Marcinha, que é com quem ele pretende comemorar as bodas. Apesar que a secura dos tempos fazia com que o Pedrão considerasse a possibilidade de abrir mão da Marcinha nesta encarnação.  Se pelo menos aparecesse alguma outra gatinha... Não aparecia nenhuma.


Por falar nesta encarnação, onde estaria a Marcinha? Só faltava estar de papo com aquele Office Boy que comeu todo o departamento, ou então com Gerente de RH que também não fica atrás. Eles que não fizessem nenhum mal para a Marcinha, se não... se não... 


Pedrão pensava no que eles diriam para a Marcinha. E pior ainda, onde eles a levariam e o que fariam com ela?  Pedrão queria reagir, não podia ficar à mercê dos mais adaptados à evolução natural, social e amorosa, até porque algum desses poderia arrebatar o coração da sua amada. Era preciso fazer isso antes que alguém fizesse, especialmente o Office Boy ou o Gerente de RH. Pedrão só queria uma chance de provar que era mais homem que eles e que qualquer um, fosse como fosse, no tapa ou no tacape. Mas a chance não surgiu.


Pedrão é um estranho no ninho, ou melhor, na cesta de frutas das mulheres fruta. Não lhe restou outra opção, recorreu a um site de relacionamentos. Toda coragem, toda macheza, toda virilidade reduzidas a uma pequena foto pessoal. Seu melhor verso virou frase de apresentação, mas infelizmente ainda não despertou o interesse das moças.
JC

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