MILAN KUNDERA
Quarta-feira,
12 de julho de 2023. Acordei mais ou menos às 06:00. Li normalmente. Como
costumo fazer. Mais ou menos às 08:30 tomei café da manhã. Depois liguei o
telefone celular e o computador. A primeira mensagem que li dizia “rip
Kundera”. Confirmei na internet. O gênio tcheco estava morto. A notícia que
chegaria mais dia ou menos dia – um homem nonagenário não tem muito tempo pela
frente – havia chegado. Curiosamente, recebi mensagens de amigos. Era como se estivessem
se solidarizando comigo pela perda de um familiar. É compreensível. Sou um leitor
de Milan Kundera que, não raro, avança para o papel de defensor e divulgador
voluntário. Não sei se com sucesso. Tenho dúvidas. Afasto ou aproximo as
pessoas dos livros do escritor tcheco? Mas, enfim, pouco importa. Naquela
quarta-feira escrevi apenas: “O mundo encolheu! Adeus, Milan Kundera!” Agora,
com tempo, dá para completar a mensagem.
Desde que comecei a frequentar sebos,
lembro da presença dos livros de Milan Kundera. Eram muitos e relativamente
baratos. Mas nosso encontro demoraria uns dez anos para acontecer. Faltava um
“empurrãozinho”. Minha intuição de leitor – que falhou feio – me dizia que
Kundera era um escritor de best sellers que as pessoas compram, não leem
e descartam. Nunca havia ouvido falar de dele nem tinha lido nada sobre ele. Tudo
começou a mudar num final de semana em que assisti o filme A insustentável
leveza do ser (Philip Kaufman). Fiquei
intrigado. Tempos depois um amigo me entregou o romance A insustentável
leveza do ser e disse “você precisa ler esse livro”. Era o “empurrãozinho”
que faltava. Na verdade, foi um empurrão duplo: o filme e a indicação do meu
amigo. Começava ali meu encontro com Milan Kundera. Li tudo que achei dele, sobre
ele e mais. O que me fascina em Kundera é a erudição e a sagacidade que
confluem para uma espécie de lucidez zombeteira, qualidades que passei a
procurar em outros romancistas tchecos e no que no Brasil ficou conhecido como
Novelle Vague Tcheca. Li Jaroslav Hašek (O bom soldado Švejk); Ivan Klíma (Amor e
lixo); Bohumil Hrabal (Eu servi o rei da Inglaterra); Josef Skvorecky
(A história do saxofonista e Engenheiro de almas). Assisti filmes
maravilhosos: As pequenas margaridas (Věra Chytilová); Um
dia, um gato (Vojtěch Jasný); O
baile dos bombeiros (Miloš Forman);
A pequena loja da rua principal (Ján
Kadár e Elmar Klos), Valerie e sua semana de deslumbramentos (Jaromil
Jireš); Amores de uma loira (Miloš
Forman); Trens estreitamente vigiados (Jiří Menzel);
A piada (Jaromil Jireš); Ninguém
vai rir (Hynek Bocan) [1]. Tanto nos romances como nos filmes
encontrei a tal lucidez zombeteira, ainda que nem sempre com tanta erudição e
sagacidade, como em Kundera.
Como explicar a lucidez
zombeteira dos tchecos e, sobretudo, de Milan Kundera? Talvez porque a língua
tcheca tenha sido um idioma utilizado em ambientes menos formais, que não se
levavam totalmente a sério. Talvez porque o país dos tchecos fica no meio do
caminho – no centro da Europa – e costuma ser invadido quando estouram grandes
guerras. Se é assim, a brincadeira, a ironia e o humor viram armas dos
desarmados e se tornam ainda mais libertários e cortantes, atuam para revelar
farsas e desmoralizar invasores. Exemplificando. Durante a Primavera de Praga
um soldado invasor vindo de uma república soviética asiática, que nunca tinha
visto portas de vidro, chocou-se com uma delas no metrô de Praga. Os tchecos responderam
com um cartaz: “Nada detém o soldado soviético.” [2]
Quase duas décadas depois
da Primavera de Praga e já exilado na França, Kundera escreveu que não estava
ligado a praticamente nada. O futuro não representava um valor, nem Deus, nem a
pátria, nem o povo. Ele sentia-se ligado apenas à herança depreciada de
Cervantes. É uma outra chave para se pensar a lucidez zombeteira, se não dos
tchecos, pelo menos de Milan Kundera. “O romance nasceu não do espírito teórico
mas do espírito do humor.” [3] No início o romance era sobretudo
divertimento, ainda que sem jamais excluir a gravidade. Lucidez zombeteira de
Milan Kundera: examinar a existência com humor e sem esperança.
A investigação da
existência e dos acontecimentos sociais com humor e sem esperança não raro fez
Kundera irritar a direita e a esquerda. É que o romance é uma “sabedoria da
incerteza” que costuma se chocar com verdades ideológicas. Aceitar a
ambuiguidade do mundo e das coisas não é tranquilo para quem tem a mente
travada na ideologia. Eu me divertia repetindo provocações kunderianas para militantes
formados com cartilhas partidárias. Provavelmente mais afastei do que aproximei
pessoas dos livros do romancista. Mas acho que ele não reclamaria, gostava de
escrever contra todos e mais de uma vez ridicularizou militantes que buscam o idílio
coletivo. Exemplos. O poeta em A vida está em outro lugar. Franz em A
insustentável leveza do ser. Carlos Fuentes: “A ilusão do futuro foi o
idílio da história moderna. Kundera ousa dizer que o futuro já aconteceu, bem
debaixo do nosso nariz, e cheira mal.” [4] Acrescento: é por essas e
outras que o escritor tcheco irritou a direita e a esquerda.
Milan Kundera publicou o
primeiro romance em 1967. A brincadeira tem o espírito libertário da Primavera
de Praga. Tornou-se símbolo do movimento. Kundera tinha 38 anos. Idade
relativamente avançada para se publicar o primeiro romance. É que antes havia
transitado pelo cinema e pela música. Podia ter seguido qualquer um dos dois
caminhos, na verdade nunca abandou nenhum deles. Em 1995, quando a sétima arte
completou um século, Kundera publicou um texto cujo título fala por si: Esta festa não é minha. A reflexão sobre os destinos de Fellini e do próprio
cinema é daquelas que apenas os grandes romancistas são capazes de formular, porque
enxergam o mundo com olhos de criadores. Já a música sempre esteve no radar de
Milan Kundera. Além das brilhantes reflexões musicais presentes nos ensaios, ele
escrevia romances como se fossem música: com temas, variações, pausas,
movimentos. Se Kundera optou pela literatura foi porque viu nela as melhores
possibilidades para explorar as ambiguidades da existência. O romance seria
capaz de integrar a filosofia e a poesia sem perder a identidade, que passa
justamente pela capacidade de absorver outros gêneros e saberes: “a forma do
romance é liberdade quase ilimitada.” [5] Além disso, em tempos de
especialização e acelerada divisão do trabalho, a literatura ainda permite
“guardar relação com a vida em seu conjunto.” [6] O romance é – para
Kundera – capaz de dizer sobre a condição humana muito mais que qualquer reflexão
sociológica. Em 1969, publicou Risíveis amores, hilária coletânea de
contos. Em 1973, publicou o romance A vida está em outro lugar, ironizando
e denunciando o lirismo adesista dos que sonhavam com o idílio [7]. Em
1975, foi para a França devido às perseguições do regime estalinista, havia
sido do partido comunista, mas acabou expulso duas vezes. Em 1976, publicou A
valsa dos adeuses, romance em que brinca com a insignificância e a finitude
da vida, questões que retomaria em outros textos. Em 1978, publicou O livro
do riso e do esquecimento, composto por variações geniais sobre temas como
a memória, o riso, os anjos, a litost [8], a fronteira. Em 1981,
publicou Jacques e seu amo, peça de teatro que é uma variação sobre Jacques
o fatalista, de Denis Diderot. Em 1984, publicou A insustentável leveza
do ser, romance que tornou Kundera mundialmente conhecido. Em 1990,
publicou o romance A imortalidade, retomando temas como a memória, a
finitude e a insignificância da existência. Publicou ainda os romances A
lentidão (1995), A identidade (1997), A ignorância (2000), A
festa da insignificância (2014).
Mas mesmo um escritor
genial, como Milan Kundera, não pode prescindir de bons leitores. Numa leitura
rápida e superficial do romance A insustentável leveza do ser aparecem
apenas as relações amorosas. É provavelmente o que explica por que o livro se
tornou um best seller. Para piorar, o leitor mediano não apenas estanca
na primeira camada da leitura, como não lê nada além do livro mais famoso do
escritor. Perde, dessa forma, contos, romances e ensaios de primeira qualidade.
Nas releituras do romance A insustentável leveza do ser surgem infinitas
possibilidades, como se o texto estivesse vivo e em movimento. É uma
característica dos clássicos. Kundera escreveu A insustentável leveza do ser
a partir de palavras-tema: peso, leveza, alma, corpo, merda, kitsch, compaixão,
vertigem, força, fraqueza. Sempre com a Primavera de Praga como pano de fundo. Mas
tudo isso só se percebe nas releituras.
É também nas releituras do
romance A insustentável leveza do ser que aparece a sacada brilhante sobre
a dimensão existencial do kitsch. O romancista divide os homens em dois grupos:
os que em alguma medida duvidam e os que aderem à existência sem reservas. Estes
se baseiam, conscientemente ou não, na crença presente no primeiro capítulo do
Gênese: o mundo é o que devia ser, as pessoas são boas e devem procriar. É o
que Kundera chama de “acordo categórico com o ser”. Quem adere sem reservas à
existência exclui tudo que contradiz sua crença. É por isso que se substituía a
palavra merda por m. A merda é um problema metafísico. Se a merda fosse aceitável,
ninguém precisaria se trancar no banheiro. Se a merda é problemática, das duas
uma: ou o homem não foi criado a imagem e semelhança de Deus, ou Deus tem intestinos
e caga. Nascida na Alemanha, na segunda metade do século XIX, a palavra kitsch tem
a ver com uma atitude estético-existencial de negação da merda. Quem firma o
“acordo categórico com o ser” sente nostalgia pelo idílio, não importa se o
localiza no passado que é preciso restaurar (como costumava fazer a direita) ou
no futuro que é preciso construir (como costumava fazer a esquerda). O kitsch é:
1) O ideal estético de quem busca o idílio. 2) Um lirismo adesista e rebaixado.
3) A “mentira embelezadora” mobilizada para sustentar o “acordo categórico com
o ser”. Se kitsch e comunismo se encontraram na Tchecoslováquia estalinista foi
porque era preciso excluir do campo de visão absolutamente tudo que pudesse comprometer
a adesão ao regime e a ilusão no idílio coletivo. A lucidez zombeteira que
aprendi a apreciar com Kundera e com os tchecos é, sobretudo, um combate contra
o kitsch.
Durante algum tempo tive
vontade de escrever uma carta para Milan Kundera. Queria perguntar-lhe sobre
Machado de Assis. Onde o gênio tcheco colocaria o bruxo do Cosme Velho na metáfora
dos três tempos da literatura? Machado está cronologicamente no segundo tempo,
com os realistas, mas é uma espécie de ponte que liga o primeiro tempo (Rabelais,
Cervantes, Sterne) ao terceiro tempo (Broch, Musil, Gombrowicz). Mas
acabei satisfeito ao encontrar um texto de Carlos Fuentes significativamente
intitulado O milagre de Machado de Assis, onde o escritor mexicano, que foi amigo de Milan
Kundera, cita o tcheco e diz mais ou menos o que imagino que este responderia sobre
a minha pergunta: “E o convite ao jogo, ao sonho, ao pensamento, ao tempo,
exclama Kundera em capítulo intitulado ‘A Desprezada Herança de Cervantes’,
onde foi parar? A resposta é, se não miraculosa, surpreendente: foram parar no
Rio de Janeiro e renasceram na pena de um mulato carioca pobre, autodidata, que
aprendeu francês em uma padaria, que sofria de epilepsia, como Dostoiévski, que
era míope, como Tolstói, e que ocultava seu gênio sob um corpo tão frágil como
o de outro grande brasileiro, Aleijadinho”.
Aliás, é também Carlos
Fuentes quem deixou uma pista importante para se compreender a Primavera de Praga
e, por tabela, a obra de Milan Kundera. O escritor mexicano lembra que a Tchecoslováquia
era um país razoavelmente desenvolvido, o socialismo não precisava garantir o
mínimo para a população, era necessário dar o passo seguinte. Era possível e urgente
“passar do reino da necessidade para o reino da liberdade.” [9] A população
começou a ocupar espaços da burocracia estalinista, o que era intolerável e
imperdoável. A Primavera de Praga foi a tentativa abortada – pelos russos – de
dar um passo em frente. A genialidade da obra de Milan Kundera sugere o
conjunto de possibilidades contidas na Primavera de Praga.
Além da busca por outros
romancistas tchecos e pelos filmes da chamada Nouvelle Vague Tcheca, Milan
Kundera potencializou a minha paixão pela escrita ensaística. Os quatro livros
de ensaios que deixou (A arte do romance, Os testamentos traídos, A cortina
e Um encontro) são tão geniais quanto romances como A insustentável
leveza do ser, O livro do riso e do esquecimento, A imortalidade,
A brincadeira e A vida está em outro lugar. Leio os ensaios que encontro de
grandes romancistas e pensadores em geral. Posso afirmar tranquilamente que
muito poucos chegam no nível Kundera. Talvez pela erudição do escritor tcheco, talvez
pela sagacidade, talvez pela lucidez, talvez pelo humor e por tudo isso ao
mesmo tempo. Compartilho algumas reflexões curtas presentes nos ensaios de Milan
Kundera para dar ideia do que estou dizendo.
Sobre Dostoiévski e Kafka [10]:
“Raskolnilkov não pode
suportar o peso de sua culpabilidade e, para encontrar a paz, ele consente
voluntariamente na punição. É a situação bem conhecida em que a falta
procura o castigo. Em Kafka, a lógica é invertida. Aquele que é punido não
conhece a causa da punição. O absurdo do castigo é tão insuportável que, para
encontrar a paz, o acusado quer encontrar uma justificativa para a sua pena: o
castigo procura a falta.”
Sobre o humor [11]:
“O humor: centelha
divina que descobre o mundo em sua ambiguidade moral e o homem em sua profunda
incompetência para julgar os outros: o humor: embriaguez de relatividade das
coisas humanas; estranho prazer nascido da certeza de que não há certeza. Mas o
humor, para lembrar Octavio Paz, é ‘a grande invenção do espírito moderno.’ Não
existiu sempre e tampouco vai existir para sempre. Com o coração apertado,
penso no dia em que Panurge não mais fará rir.”
Sobre a vida, o Quixote
e o romance [12]:
“Os heróis da epopeia vencem
ou, se são vencidos, conservam a grandeza até o último suspiro. Dom Quixote é
vencido. E sem nenhuma grandeza, pois imediatamente tudo fica claro: a vida
humana como tal é uma derrota. A única coisa que nos resta diante dessa
inelutável derrota que chamamos de vida é tentar compreendê-la. Eis aí a razão
de ser da arte do romance.”
Sobre a Primavera de
Praga [13]:
“Ah, os queridos anos 1960. Eu gostava de
dizer, então, cinicamente: o regime político ideal é uma ditadura em
decomposição; o aparelho opressivo funciona de maneira cada vez mais
defeituosa, mas está sempre ali para estimular o espírito crítico e zombeteiro.
No verão de 1967, irritados com o congresso corajoso da União dos Escritores e
achando que o atrevimento tinha ido longe demais, os chefes do Estado tentaram
endurecer sua política. Mas o espírito crítico havia contaminado até o comitê
central que, em janeiro de 1968, decidiu que o presidente seria um
desconhecido: Alexandre Dubcek. A Primavera de Praga começou: hilário, o país
recusou o estilo de vida imposto pela Rússia; as fronteiras do Estado foram
abertas e todas as organizações sociais (sindicatos, federações, associações),
originalmente destinadas a transmitir ao povo a vontade do partido, tornaram-se
independentes e se transformaram em instrumentos inesperados de uma democracia
inesperada. Nasceu um sistema (sem nenhum projeto preestabelecido, quase por
acaso) que foi verdadeiramente sem precedentes: uma economia 100%
nacionalizada, uma agricultura nas mãos das cooperativas, nada de pessoas muito
ricas, nada de pessoas muito pobres, o ensino e a medicina gratuitos, mas
também: o fim do poder da polícia secreta, o fim das perseguições políticas, a
liberdade de escrever sem censura e, a partir daí, o desabrochar da literatura,
da arte, do pensamento, das revistas. Eu ignoro quais eram as perspectivas de
futuro desse sistema; na situação geopolítica de então, certamente nulas; mas
numa outra situação geopolítica? Quem pode saber... Em todo caso, esse segundo
durante o qual esse sistema existiu, esse segundo foi soberbo.”
Quando soube do desaparecimento do romancista
tcheco escrevi “O
mundo encolheu! Adeus, Milan Kundera!” Completo agora. O mundo encolheu porque sempre
que se falar daquele “segundo soberbo” da humanidade, conhecido como Primavera
de Praga, falarão de Milan Kundera e por meio dos ensaios, contos e romances
dele. O mundo encolheu porque perdeu um escritor capaz de transitar, com a
mesma genialidade, entre o romance e o ensaio. O mundo encolheu porque em algum
canto de Paris morreu um nonagenário que emplacou pelo menos 5 romances e 4
livros de ensaio entre o que se produziu de melhor.
Notas
[1]
A
piada e Ninguém vai rir são baseados em textos de
Milan Kundera, que participou das filmagens.
[2]
O
caso do soldado soviético que trombou com uma porta de vidro do metrô de Praga foi
relatado no ensaio Milan Kundera: o idílio secreto, de Carlos Fuentes,
no livro Geografia do romance.
[3]
Trecho
do discurso O romance e a Europa, publicado no livro A arte do
romance.
[4] O trecho citado de
Carlos Fuentes está no ensaio Milan Kundera: o idílio
secreto, publicado no livro Geografia do romance.
[5] Entrevista
concedida por Milan Kundera para Christian Salmon, publicada no livro A arte
do romance.
[6] O trecho entre aspas
está no ensaio Anotações inspiradas por Os sonâmbulos, publicado no
livro A arte do romance.
[7] A lucidez zombeteira
de Milan Kundera travou combate contra o lirismo adesista dos que firmam
acordos categóricos com o status quo, com a burocracia, com o próprio
ego, com o ser.
[8] Os dicionários traduzem a
palavra tcheca litost como arrependimento. Mas não é exatamente a mesma
coisa. Kundera registrou que a primeira sílaba se pronuncia de maneira longa e
acentuada, como o lamento de um cão abandonado. Litost é um estado
atormentador nascido do espetáculo da nossa miséria subitamente revelada para
nós mesmos. Litost é quando fazemos coisas que nunca nos imaginamos
capazes de fazer, como agredir uma pessoa por nos sentirmos diminuídos pelas
qualidades e pelo talento dela.
[9] O trecho citado de
Carlos Fuentes está no ensaio Milan Kundera: o idílio
secreto, publicado no livro Geografia do romance.
[10] O trecho está no ensaio Em
algum lugar do passado, publicado no livro A arte do romance.
[11] O trecho está no ensaio O
dia que Panurge não mais fará rir, publicado no livro Os testamentos
traídos. Em Pantagruel, Panurge se apaixona e tenta possuir uma
mulher. Dirigi-lhe obscenidades dentro de uma igreja... Ignorado, se vinga
esfregando o sexo de uma cadela no cio na roupa da amada. Seiscentos mil e
quatorze cães perseguem e mijam na mulher. Kundera conta que os operários
tchecoslovacos riam com Panurge, apesar da moral conservadora que vigorava. Riam
das obscenidades e do fracasso amoroso dele. Riam com a vingança mijatória. Não
havia condenação, apenas riso e divertimento. A sorte de Rabelais – e dos seus
leitores – é que as patrulhas ideológicas do bom-mocismo não leem romances, do contrário
já estariam todos condenados e cancelados. No reino sacrossanto do bom-mocismo politicamente
correto não há espaço para a arte do romance.
[12]O trecho está no ensaio Pobre
Alonso Quijada, publicado no livro A cortina.
[13] O trecho está no ensaio
Sobre as duas grandes primaveras e os Škvorecký, publicado no
livro Um encontro.
Publicado originalmente no Passa Palavra