Haiti


“O Haiti é uma esponja empapada de sangue! Quem espremerá esta esponja insaciável?” (Nicolás Guillén – Poeta Cubano)

Haiti: ilha das montanhas ou flor da grande região para os povos indígenas da terra, massacre e destruição nas mãos dos invasores espanhóis, ‘Pérola das Antilhas’ para os exploradores franceses, bloqueios e invasões estadunidenses, primeiro povo do mundo a abolir a escravidão, primeiro país latino-americano independente, povo negro que assombrou o mundo com sua luta e ousadia.

Geograficamente, o Haiti é um país sujeito a tremores de terra, está sobre a pequena placa caribenha, que sofre com qualquer movimento da placa sul-americana ou da norte-americana. Politicamente, o Haiti é um país ocupado por militares, inclusive sul-americanos, todos a mando de multinacionais, principalmente norte-americanas. O comando nominal das tropas estrangeiras está nas mãos de militares brasileiros, o comando político e finalístico da invasão está nas mãos das maquiladoras, principalmente norte-americanas.

Os povos indígenas do Haiti foram dizimados nas primeiras décadas da invasão espanhola. Escravos negros foram trazidos à força para trabalhar na agricultura de exportação. Em 1697, a Espanha cedeu o Haiti à França, a riqueza expropriada da ilha caribenha enriqueceu e acelerou o desenvolvimento do capitalismo francês.

Noventa e quatro anos após a chegada dos franceses, o povo haitiano se rebelou contra a escravidão e a exploração colonial. Em 1794, pelas suas próprias mãos, o Haiti aboliu a escravidão em suas terras, foi o primeiro país do mundo. Dez anos depois veio a independência haitiana. O exemplo do pequeno país caribenho assombrou os colonialistas. Os EUA bloquearam o Haiti e não reconheceram sua independência. A França exigiu uma indenização de muitos milhões.

As potências estrangeiras inviabilizaram a autonomia e o desenvolvimento do Haiti. Em 1915, fuzileiros navais estadunidenses ocuparam o pequeno país caribenho ‘para restabelecer a ordem e os interesses norte-americanos’.  Camponeses haitianos resistiram à invasão. Os invasores estadunidenses deixaram o Haiti em 1934.

Em 1957, François Duvallier, o Papa Doc, foi eleito presidente com apoio dos EUA, iniciou-se uma violenta ditadura, também apoiada pelos EUA. Papa Doc morreu em 1971, seu filho, Jean-Claude Duvallier, o Baby Doc, assumiu o poder e prolongou a ditadura até 1986, quando os protestos populares se intensificaram e o ditador fugiu para a França. Aconteceram eleições em 1990. Um ano depois um golpe de estado depôs o presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide, um ex-padre próximo das idéias da teologia da libertação, que incomodou minimamente as burguesias internacionais e a haitiana. Em 1994, nova invasão estrangeira, dessa vez autorizada pela ONU e novamente comandada pelos EUA. Aristide foi reconduzido ao poder. Nas eleições de 2000, Aristide retornou ao poder, novamente. Em fevereiro de 2004, teve início um novo golpe contra Aristide, que foi retirado à força por militares estadunidenses e enviado à África do Sul.  O exército haitiano havia sido desmobilizado em 1994, os militares estrangeiros tiveram que fazer o trabalho sujo com as próprias mãos. Depois do golpe, o presidente do supremo tribunal assumiu a presidência e solicitou ajuda das Nações Unidas para estabelecer a ordem. Reiniciava-se a ocupação estrangeira, desta vez executada principalmente por tropas latino-americanas, mas, como sempre, para garantir interesses econômicos de empresa multinacionais, especialmente estadunidenses. O comando nominal da missão coube aos militares brasileiros.

A presença de tropas latino-americanas ajudou a mascarar o real objetivo da ocupação estrangeira, legitimada como ‘missão de paz’ e ‘ajuda humanitária’. A identificação do povo haitiano com o brasileiro foi considerada importante, era preciso escurecer a pele dos militares estrangeiros, para assim facilitar as coisas.

A ocupação do Haiti foi parte da política externa do primeiro governo Lula, tinha e tem objetivos claros: fortalecer o Brasil na posição de liderança regional e de aspirante a uma cadeira no conselho de segurança da ONU; treinar militares para combates urbanos, como os que acontecem nos morros cariocas; e, se possível, aproveitar as oportunidades de exploração econômica. A ocupação do Haiti é parte da política externa ‘progressista’ do governo petista, o controle do petismo sobre os movimentos sociais inviabilizou a organização de protestos massivos contra a presença de tropas brasileiras em solo haitiano.

Os cinco séculos de exploração colonialista e depois imperialista, inviabilizaram o desenvolvimento da economia haitiana. O Haiti foi e continua sendo um país expropriado e empobrecido à força. Mas, num mundo capitalista, até mesmo a miséria e a pobreza possibilitam oportunidades de mercado. E são exatamente os interesses econômicos que justificam a manutenção de tropas internacionais no Haiti.

Não existem sindicatos de trabalhadores de empresas privadas no Haiti, um porcento da população mais rica controla cinqüenta e cinco porcentos da renda nacional. Dos nove milhões de haitianos, mais de sete vivem abaixo da linha de pobreza, quatro milhões estão desempregados. Esta é a realidade social que as tropas da ONU mantêm ‘pacificada’ e ‘cristalizada’.

Uma costureira recebe U$S 0,50 por hora no (Haiti), U$S 0,85 no litoral da China, U$S 3,27 no Brasil e U$S 16,92 nos EUA. O salário mínimo haitiano é cerca de cinco vezes menor que o brasileiro. A razão principal da ocupação do Haiti é garantir a exploração da sua mão de obra barata. Não foi por outra razão que as tropas brasileiras reprimiram manifestações por aumentos salariais em 2009.

Para explorar a mão de obra barata e as vantagens logísticas da proximidade, empresas estadunidenses e canadenses do setor têxtil se instalaram no Haiti, de onde exportam para seus países de origem quase sem tributação. Da riqueza produzida, apenas os salários de fome ficam no Haiti. É a industria da miséria.

O Haiti é parte do movimento de colonização imperialista. No Iraque e na Líbia interessa o ouro negro do solo, no Haiti interessa o sangue negro dos trabalhadores. Mas com o agravante de que a ocupação se faz com tropas latinas, inclusive de governos tidos como progressistas, como o Equador e a Bolívia.

O povo haitiano é mestiço e musical como todos os latino-americanos, é alegre e empobrecido como todos os povos latino-americanos. É ultrajante que o trabalho sujo de submeter os haitianos seja executado por forças latino-americanas. É preciso expulsar todas as tropas estrangeiras do Haiti.


JC



Uma notícia preocupante

Segundo pesquisa divulgada pela rede NBC, cerca de oitenta porcento dos estadunidenses apoiam o assassinato de Osama bin Laden.

Para chegar a Bin Laden, os militares dos EUA torturaram presos e invadiram o território paquistanês. Além disso, as forças especiais assassinaram um homem desarmado e doente, que poderia ser capturado e julgado.

Era preciso calar Bin Laden, se julgado, apareceriam verdades inconvenientes para os EUA e sua política de invasões justificada pela dita ‘guerra ao terror’.

Um império decadente, como os EUA, necessita de inimigos externos para justificar suas guerras rapina. Arranjar inimigos externos é uma boa maneira de tentar unificar uma sociedade caduca. Nos últimos anos os EUA perceberam o quanto lhes era funcional exagerar na ameaça externa. O clima de medo permite a supressão das liberdades individuais e favorece a industria bélica. Por isso os timoneiros da barbárie já anunciaram que a ‘ameaça terrorista’ não se encerra com a morte de Bin Laden.

A substituição de Bush por Obama abriu caminho para a ampliação das guerras de rapina dos EUA. Bush era truculento e dizia que quem não estivesse com ele estava contra. Obama é dissimulado, justifica suas guerras como sendo humanitárias. Isto ajuda a explicar por que o ataque à Líbia gerou menos protestos do que a invasão do Iraque.

O assassinato de Osama fortalece Obama, que fortalece a política de guerras pelo mundo, única possibilidade de sobrevivência de um império decadente. Até aqui nada de novo. A novidade é que oitenta porcento dos cidadãos estadunidenses legitimam a tortura, o assassinato e a invasão de um país. Quem apoia a operação que matou Bin Laden endossa a tortura, o assassinato e a invasão de países. 

Enfim, seria apenas mais um indicador da decadência da sociedade estadunidense, se não fosse extremamente preocupante.

JC

Os novos bárbaros (continuação)

Um dia após escrever um texto questionando como a CIA chegou até Osama bin Laden, veio a confirmação: tortura. Presos torturados revelaram nomes que levaram os estadunidenses até bin Laden. Ou seja, exatamente o mesmo método utilizado pelas ditaduras militares latino-americanas, que, lembremos sempre, foram apoiadas pelos EUA.

Outro ponto. A morte de bin Laden foi chamada de assassinato pela mídia em geral. Dois dias após o acontecimento, os estadunidenses confirmaram que Osama estava desarmado, mas que resistiu à prisão. Ora, como um homem doente e desarmado poderia resistir às forças especiais da marinha estadunidense? Então, tratou-se realmente de um assassinato.

Até aqui não há nada de novo. As torturas em Guantânamo já haviam sido amplamente divulgadas e não é menos sabido que forças especiais praticam assassinados seletivos. Ok. Esses fatos horrendos são comuns e previsíveis.

Mas como se posicionam os cidadãos estadunidense diante desses fatos horrendos? Alguém pode dizer que é previsível que os cidadãos apoiarão o estado. Ok. Está correto. Mas ser previsível não significa ser aceitável.

A popularidade do sr. Obama subiu vários porcentos depois do assassinato do sr. Osama. Ou seja, os cidadãos estadunidenses apoiaram um assassinato antecedido por torturas. As toneladas de gordura saturada do mcdonalds e de hollywood podem ter entupido as artérias cerebrais dos estadunidenses, é uma explicação, mas não uma justificativa.    

Quando um assassinato premeditado e precedido de torturas não choca ninguém, é um sinal inequívoco de que caminhamos pela barbárie, de que Dom Quixote foi definitivamente trocado por um game de violência.

É fácil imaginar fantoches como Hillary e Obama planejando uma operação militar como a do último domingo. Com um pouco mais de esforço é possível imaginar os mesmos acompanhando a execução do ato numa sala qualquer da Casa Branca, como ocorreu. O difícil é diferenciar esse crime premeditado de um outro qualquer, a única diferença é que um é acompanhado ao vivo pelos seus idealizadores. O difícil é aceitar que um povo legitime a tortura e o assassinato, seja de quem for.

É certo que nem todo o povo estadunidense está de acordo com o que foi feito. Mas também é de se pensar se é correto continuar empregando a bela palavra povo para definir seres que apóiam a tortura e o assassinato, como boa parte dos estadunidenses.

Os novos bárbaros

Quando um tiro na testa de alguém, seja quem for, é comemorado com palmas, é sinal de que a barbárie se aproxima.

Comecemos pelo título, que, se é injusto pela falsa linha de continuidade estabelecida com o passado (qualquer bárbaro seria uma formiguinha de jardim perto dos atuais), é, por outro lado, justo no sentido de que bárbaros são agentes da barbárie, da crueldade e da selvageria. E isso se enlaça com a epígrafe deste texto.

Mas primeiramente voltemos dez anos no tempo. Onze de setembro de 2001. Pela manhã os jornais anunciavam a crise das companias aéreas, mas ninguém imaginava o que estava para acontecer. Aviões sequestrados seriam arremessados contra alvos nos EUA. Depois da tragédia viriam as explicações. O responsável seria um saudita chamado Osama bin Laden, que uns pronunciavam com “i”, como se fosse “bin Ladin”.  O que mostra o desconhecimento e a pouca importância do sujeito até aquela data.

A história ainda tem muito a dizer sobre o que realmente aconteceu no dia onze de setembro de 2011. Mas uma coisa é certa, os ataques foram úteis para os EUA: justificaram a política de invasões imperialistas e esconderam a crise econômica interna.

Bin Laden foi uma figura fundamental para os EUA. Os impérios messiânicos e decadentes necessitam de deuses e demônios, o papel destes últimos coube ao saudita e à Al Qaeda. Dizia-se que os EUA eram vulneráveis, e isso lhes era muito útil, permitia que eles se armassem cada vez mais. Não é à toa que a industria bélica estadunidense tenha sido um dos setores mais rentáveis da última década. Bin Laden e a Al Qaeda eram avaliados como inimigos perigosíssimos, nunca mais voltaram a atacar em solo estadunidense (se é que algum dia atacaram realmente), mas a máquina de guerra ianque continuou se hipertrofiando.

A Al Qaeda e bin Laden foram utilizados para justificar a invasão do Afeganistão em 2001. Argumentos semelhantes levaram à ocupação do Iraque em 2003, depois provou-se que as armas de destruição em massa eram uma ficção barata, à la hollywood. Em 2011, iniciou-se o ataque à Líbia, bin Laden já era um homem distante dos campos de batalha, não estava nas montanhas de Tora Bora, mas numa mansão paquistanesa. Não foram os EUA que se utilizaram de bin Laden para atacar a Líbia, pelo contrário, foi o governo desta que tentou se valer do saudita para tentar evitar o ataque, associou seus inimigos à Al Qaeda de Osama. Esse fato atesta a insignificância de bin Laden, que já não servia nem como justificativa para ataques imperialistas.

Então Obama, que apenas um ‘b’ separa de Osama, localizou e ordenou o assassinato do saudita. Operação realizada, Barack Obama foi à TV comunicar o acontecimento, com um sorriso contido no rosto, ciente de que capitalizaria politicamente o fato. Estadunidenses saíram às ruas de Nova York e Washington para comemorar o acontecimento.

A morte de bin Laden foi noticiada abertamente como um assassinato decorrente de uma operação vitoriosa. Segundo o próprio Obama, a justiça prevaleceu.

Neste ponto começam a surgir interrogações. Assassinar alguém sem julgamento é a forma de agir dos EUA? É uma vitória dos valores da América? É uma vitória da democracia? Como foram obtidas as confissões que levaram a CIA até bin Laden? Tortura em Guantânamo? É assim que age a justiça dos EUA? Comemorar um assassinato, como fizeram milhares de estadunidenses, não contradiz os valores de uma civilização cristã? Para não dizer humana.

O ataque à casa de Osama bin Laden mobilizou, segundo as fontes dos EUA, vinte homens de suas forças especiais e quatro helicópteros. No meio do tiroteio um destes caiu. Como sempre, as fontes estadunidenses divulgaram que uma falha mecânica derrubou o helicóptero. Nos últimos dez anos de guerras promovidas pelos EUA, nenhuma de suas aeronaves foi abatida por fogo inimigo, apenas ‘falhas mecânicas’ derrubam naves estadunidenses, segundo as fontes destes, claro. O engodo repetido sem questionamento pelos papagaios midiáticos tende a criar um mito de invencibilidade.

Por outro lado, ao mesmo tempo que se propaga o mito da invencibilidade das aeronaves militares estadunidenses, é preciso reafirmar que a América é também vulnerável, porque é isto que justifica toda a política armamentista da ‘guerra ao terror’ e os lucros que ela gera. Não é à toa que os atuais timoneiros da barbárie (Obama, Hillary e cia) já tenham anunciado que a ‘guerra ao terrorismo’ continua.

O sorriso contido de Obama ao anunciar a morte de Osama é significativo. O atual presidente dos EUA conseguiu se apropriar do discurso ‘político’ de seu antecessor, Obama se fortalece para as próximas eleições. Além disso, como em 2001, o ataque ao inimigo externo servirá para mascarar a crise interna.

Enfim, se este início de maio entrar para história, não será pelo assassinato de bin Laden, figura dispensável e decadente, o ponto decisivo é a saída dos novos bárbaros às ruas. Com as artérias cerebrais entupidas pela gordura saturada do Mcdonalds e de Hollywood, centenas de estadunidenses foram às ruas comemorar a morte de Osama bin Laden, legitimando a ‘guerra ao terror’. A industria da barbárie e seus timoneiros agradecem.   

Ernesto Sabato: a morte de um grande.


Morreu o argentino Ernesto Sabato, seu cadáver está enterrado numa cova escura como os quadros que pintou. Morreu o escritor Ernesto Sabato, morreu um grande.

A morte é a sombra inseparável do homem, ainda mais aos 99 anos. A sombra da morte cobriu o homem Sabato no último sábado (30.04.2011), 55 dias antes dele completar 100 anos.

Semana passada iniciei a publicação de texto de e sobre Sabato. A idéia, que continua de pé, é divulgar o escritor argentino na perspectiva de um de seus leitores (eu). A diferença é que Sabato estava vivo e não está mais, o que não muda nada.

Pesquisando constatei que há pouca coisa na internet sobre Sabato, muito menos do que sua obra exige e requer. Agora o nome Sabato aparece espalhado pela mídia eletrônica, que noticia sua morte e esquece de sua obra. O ciclo vital de Sabato já aparece encerrado na enciclopédia eletrônica Wikipedia: “Ernesto Sabato (Rojas, 24 de junho de 1911 – Santos Lugares, 30 de abril de 2011) foi um romancista, ensaísta e artista plástico argentino”. Supreende como um homem passa imediatamente para o passado, o “é” virou “foi”. Mas há algo que escapa à superficialidade da mídia, homens como Sabato, através de suas obras, continuam sempre presentes. Ernesto Sabato estava certo quando afirmou que “seria melhor publicar um jornal a cada ano, ou a cada século. Ou quando ocorre algo verdadeiramente importante.” Nossa mídia está cada vez mais rápida e superficial.

No sábado eu comentava com amigos sobre as cartas trocadas pelos Ernestos, Sabato e Guevara. No domingo, quando repeti os comentários, me disseram que Sabato estava morto. Fiquei pensando que o escritor estava morrendo mais ou menos no momento em que eu publicava um trecho seu neste blog. É estranho imaginar isso. Ainda mais no caso de alguém querido, mas, pensando bem, fica como sinal de reconhecimento.

A sombra da morte é uma camada espessa que cobriu ou cobrirá todos os homens, mas não cobrirá a obra de alguns homens, um desses é Ernesto Sabato.

JC