5 VERSÕES/TRADUÇÕES PARA 1 HAIKAI DE BASHÔ

Velho tanque.
Uma rã mergulha.
Barulho da água.
(Cecília Meirelles – Escolha o seu sonho, 1974)

O velho tanque -
Uma rã mergulha,
Barulho de água.
(Paulo Franchetti e Elza Doi – Haikai, 1990)

velha lagoa
o sapo salta
o som da água
(Paulo Leminski - Matsuo Bashô: A Lágrima do Peixe, 1983)

O velho tanque
uma rã mergulha
dentro de si.
(Jorge de Souza Braga – O gosto solitário do orvalho, 1986)

Nem grilo, grito, ou galope;
No silêncio imenso
Só uma rã mergulha - plóóp!
(Millôr Fernandes - Hai-kais, 1986)



KAIS 1

Para Marx, os cientistas seriam desnecessários se houvesse correspondência imediata entre a aparência e a essência das coisas. O mesmo vale para arte, se o belo se oferecesse de imediato, os artistas seriam desnecessários. É, talvez, no haikai que esta verdade se coloca com mais força.

Nascido no Japão há mais de três séculos, o haikai é um poema curto que capta sutilezas do mundo: rã mergulhando no lago, caramujo escalando o Monte Fuji, gritos brancos dos patos no mar escuro. Para Octavio Paz, o haikai é o instante reconquistado.

É talvez por isso que o haikai conquistou não só instante, mas o Ocidente. Condenado a andar sempre na mesma direção e sem olhar para os lados, o homem ocidental priva-se das sutilezas do mundo. Isso para não falar dos homens contemporâneos, que vivem debruçados sobre telefones celulares, como gado pastando. O barulho dos motores sufocou o canto dos pássaros, os edifícios bloquearam o horizonte, a fumaça dos escapamentos substituiu os perfumes dos jardins, rios e córregos foram canalizados. Se é assim e contra a sua vontade, o haikai ganha ares de resistência, mas esta não é a essência daquele. 

Escrever haikais é fotografar o movimento: neblina cobrindo a serra, borboleta ziguezagueando, chuva tocando a terra seca. Sempre e sempre o movimento: primavera - verão - outono - inverno; menino - homem - velho; vento - nuvens - chuva - sol; vida - morte; e assim sucessivamente. A beleza que vem da leveza da transformação. Exemplo. Hattori Tohô (1657-1730)¹:

O ar tremeluz –
A areia sobre o rochedo
Vai caindo aos poucos.

Sinal dos tempos: há mais “poetas” do que leitores de poesia. É a grafomania: a mania de escrever livros. O pior não deve acontecer, mas se um dia a poesia vier a óbito, a causa da morte será a existência de milhões de “poetas” e nenhum leitor de poesia. E poetas está entre aspas porque não há poeta que não seja leitor de poesia. É preciso viver para a poesia – diria Drummond –, e isso significa inclusive e principalmente: ler poesia – acrescento eu.  

Nada mais avesso à essência do haikai do que a vontade de aparecer característica do tempo presente: grafomania, fotos fazendo biquinho, corpos rasurados por tatuagens. Tudo demasiadamente igual: mercadorias disputando espaço nas gôndolas. Contra a vontade de aparecer a arte de desaparecer? Mirek no Livro do Riso e do Esquecimento, de Milan Kundera? O Dr. Pasavento no romance homônimo de Enrique Vila-Matas?

Não para o haikai, que não quer nem aparecer nem desaparecer, quer se integrar: pé na terra, brisa no rosto, música do vento, viver e morrer. Escrever haikais é se refrescar numa nascente: não é o cais de que se parte, é o cais revelado entre o nevoeiro, descoberto na longa viagem, para onde se retorna, sempre. Os escritores costumam ir do conto ao romance, do menor ao maior; os poetas costumam ir do poema ao haikai, do maior para o menor. Não para desaparecer, mas para se integrar.

Desconfio dos poetas que não foram seduzidos pelo haikai. Talvez porque queiram mais aparecer do que se integrar. Talvez porque não sejam leitores de poesia. A questão não é se adequar a regras pré-estabelecida: métrica, rima e por aí vai. A questão é a precária possibilidade de fotografar o movimento com palavras: a pulsação da terra e a brisa da manhã, o perfume dos jardins e o mistério da noite, o curso dos dias e das estações, o tempo e sua passagem, a música do vento e a dança das águas, ondas quebrando no cais, a vida e a morte.         

NOTAS

1 Este e outro haicais podem ser encontrados em: Portal NippoBrasil



AL NAKBA

Morreu o tempo do poema.
O poeta deliberadamente declina:
da palavra, do verso, da rima.
Quer a métrica da metralhada,
a musicalidade da bomba.
Quer responder ao fogo sionista.
Palestina: poética é a sua luta!







entre a poeira
o ruído
e os corpos cansados  

entre a mais-valia
o estranhamento
e os uniformes sujos

no meio da tarde
numa fábrica qualquer
e de repente

um trabalhador
por segundos
parou a máquina 

esmagado nas engrenagens



POEMA CARTA

nosso amor acena
do prédio em chamas
entre as labaredas

nossos líquidos misturados
evaporam

nosso amor apodrece
nas calçadas do esquecimento

mas guardo um tufo do seu cabelo
entre os dedos
nos bolsos da memória