Juan Pablo Castel: o túnel
sem saída
“Basta dizer que sou
Juan Pablo Castel, o pintor que matou Maria Iribarne; suponho que o processo
está na lembrança de todos e que não são necessárias maiores explicações sobre
minha pessoa.”
Há personagens
literários que fascinam e retêm, Juan Pablo Castel é um deles. Castel veio ao
mundo em 1948, pela caneta do argentino Ernesto Sabato, em seu primeiro
romance, O Túnel, que começa com a confissão acima citada.
Juan Pablo é um
assassino, como Meursault, o estrangeiro de Camus; e como Rodion Românovitch
Raskólnikov, de Crime e Castigo, de Dostoiévski. Um túnel infinito –
transcontinental e ultramarino – liga estes três matadores. É o túnel da
incomunicabilidade.
Por que Castel matou
Maria Iribarne? Esta é a pergunta que ele tenta responder ao longo de doze
dezenas de páginas chamejantes, registradas em primeira pessoa, como não
poderia deixar de ser. A julgar pelo relato do Juan Pablo a frustração motivou o assassinato.
Maria teria sido a única pessoa que compreendeu sua pintura, Castel se apaixou
e se frustou. Ele – “atormentado em um minucioso inferno de raciocínios e
imaginações” – concluiu pela falsidade de Maria, que seria como uma puta, e a
assassinou com um punhal, que poderia ser a machadinha de Raskólnikov.
Mas esta é apenas a
versão de Castel, a que ele nos oferece, e isso não é o mais significativo do
relato. A questão fundamental é: o que a solidão quase absoluta faz com um
homem? Seja num quarto de pensão da Rússia de Dostoievski ou na pampa argentina
de Sabato.
Juan Pablo Castel é mais
do que um homem ensimesmado, ele se define como um “ser encaixotado”, vive num
túnel sem saída e sem acesso a Maria Iribarne. A sensação de asfixia é total.
Apesar de aparecer pelo avesso nos pesadelos do pintor assassino. Ele se
imagina despertando num quarto escuro e infinitamente grande, sem limites. O
subsolo de Dostoievski é o ateliê de Castel, ou as ruas de Buenos Aires, ou a
Recoleta.
“Um solitário
total” pode “ligar o gás e se matar de solidão, de cansado de
viver”, como o homem chamado Alfredo, de Vinicius de Moraes. Ou pode ser
um Castel, e afirmar:
“A verdade é que, muitas
vezes, havia pensado e planejado minuciosamente minha atitude no caso de
encontrá-la. Creio ter dito que sou muito tímido; por isso havia pensado e
repensado um provável encontro e a forma de aproveitá-lo. A dificuldade maior,
com que sempre tropeçava nesses encontros imaginários, era a forma de entrar em
conversação.”
Ou: “É normal que nas
noites de insônia sejamos teoricamente mais decididos que durante o dia, ante
os fatos.”
O fato inequívoco é que
o mundo é muito grande, e escapa dos “raciocínios e imaginações” de Juan Pablo.
Mas também é fato que o mundo é grande para abrigar outros tantos Castels: na
planície argentina, no planalto paulista e em qualquer lugar.
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