Buca
Acontece nas
melhores famílias, e com os melhores amigos também.
Barzinho,
cervejinha, porçãozinha... Foi numa linda tarde de sábado. O céu estava limpo,
sem nuvens. Não fazia calor nem frio, a temperatura estava perfeita. Os
rapazes vestiam bermuda e camiseta, as meninas vestidinhos, curtinhos. Os raios
de sol paravam na copa da árvore, muito raramente algum conseguia chegar até a
mesa dos amigos, que conversavam logo abaixo, na sombra. A alegria parecia
contagiar até os passarinhos, que cantavam felizes.
Havia fartura
de cerveja e de petiscos também. Provolone à milanesa, depois torresminho e por
aí vai.
O papo evoluiu
rápido. Primeiro amenidades para descontrair e integrar todos:
- E o seu time
hein? Que papelão! Hehehe.
Do futebol a conversa ganhou um tom de
crítica à sociedade e ao sistema, alguém que comentava sobre política foi
interrompido:
- Esses caras são tudo ladrão,
bandido, sem vergonha. Tem que mata tudo!
Mas aí emendaram uma piada sobre o
senador corrupto da vez. Depois outra sobre traição... Até que um desavisado
comparou a piada com a vida real:
- Por falar nisso. Vocês viram a Ju e
o Pedro? Separaram!
- Separaram? Não pode ser! Eles
namoravam desde a oitava série do ginásio. Você vai me dizer que a Ju traiu o
Pedro? Não! Não pode ser!
- Calma! Calma! A traição foi na
piada!
- Ah bom!
Pronto. A
conversa esquentou. Começaram a discutir relacionamento, nesse momento a
participação era máxima. As meninas insistiam que não se faziam mais homens de
verdade, e que os poucos que ainda existiam estavam comprometidos e, portanto,
fora do mercado. Nisso o Rafinha se exaltou:
- Isso é besteira! Eu tô solteiro!
Como não tem homem no mercado? Eu sou o quê? Aí não! Tá me tirando?
Mas uma alma feminina conciliadora e
filosófica conseguiu contornar a situação dizendo que o Rafinha era a exceção
que só confirmava a regra, e que elas estavam falando num nível mais abstrato e
não empírico-fenômenico. Foi a sorte, porque alguma garota mais exaltada
poderia ter respondido a pergunta do Rafinha, ou ter dito o que lhe faltava
para ser um homem de verdade.
Muito bem. Os ânimos foram se
acalmando, o papo continuou. E o Carlão percebeu que a Paulinha insistia em
estacionar o olhar nos olhos dele. Não. Nada acontece por acaso, um olhar diz
mais que mil palavras.
Para a sorte do
Carlão as novas tecnologias sempre evoluem mais rápido do que a moral e os bons
costumes, o que estes proíbem aquelas sancionam, ou no mínimo viabilizam.
Foi o caso. Orkut, MSN... Uma semana
depois lá estava a Paulinha nas batalhas do amor, no meio da cama do Carlão.
Experiente e tarimbado, ele tinha até normas para estas ocasiões: se beber não
transe! Mas dessa vez relativizou um pouco seus princípios. Era preciso relaxar
e descontrair o ambiente, Carlão tomou até uma taça de vinho.
Paulinha! Ah Paulinha! Que marquinha!
Que cinturinha! Que loirinha! Sorte do Carlão, novamente.
Mas você deve estar se perguntando.
Qual o problema do Carlão sair com a Paulinha ou com quem quer que seja? Isso é
crônica ou fofoca barata?
Ok, ok. Recapitulando. Acontece
com os melhores amigos, na melhores famílias, moral, bons costumes... Percebeu?
Não?
Então vamos lá, alternativas:
a) Os amantes eram grandes amigos que
romperam depois desse casinho;
b) Eram primos de primeiro grau e
cometeram um incesto;
c) PQA (pior que as anteriores).
C? Exato! Na
mosca! A Paulinha era namorada do melhor amigo do Carlão, o Buca, “que não
tinha entrado na história”, mas que estava de mãos dadas com a ela na mesa de
bar naquela linda tarde de sábado.
Carlão cobiçou
e teve a mulher do próximo, logo do mais próximo, na mesa e na consideração,
logo daquele que aparece do seu lado na foto de recordação do prezinho. Eram
tão próximos, mas tão próximos, que no futebol o Buca era lateral direito e o
Carlão beque central, quando um saia o outro cobria, formavam a melhor zaga da
várzea, e atacavam também, não raro o Buca cobrava um escanteio para o Carlão
fazer de cabeça. Mas apesar da proximidade, ou justamente por causa da
proximidade, calhou de dividirem até a namorada.
Talvez fosse vingança da Paulinha
contra o Buca por todos aqueles domingos de futebol. Ela não conseguia aceitar
que o Buca trocasse a macarronada da sogra por uma coxinha amanhecida, ser
trocada pelo Carlão então... É verdade que sendo vingança, não precisava ser
justamente com o Carlão, podia ser um goleiro ou até um juiz, mas a Paulinha
era geniosa.
O fato é que o
Carlão começou a temer os jogos fáceis, quando ele ficava quase parado sem
fazer nada, lado a lado com o Buca na direita da defesa. E se o Buca aproveitasse
a monotonia para perguntar algo, por exemplo:
- Carlão, você já ficou com a mulher
de algum amigo? Você não faria isso, né? Né?
Não! Não!
Definitivamente era melhor enfrentar um ponta esquerda bem arrisco. O beque
central começou a afligir-se mais com o seu companheiro de zaga do que com o
ataque adversário. Até pediu para jogar na ponta esquerda ou na meia, tudo para
evitar o Buca, mas ninguém concordou.
Com o tempo o
Carlão foi se afastando do pessoal, não parava no boteco depois do jogo, falava
pouco, quase nem orientava a zaga como de costume. Churrasco do time então...
Jamais! Dividir o mesmo espaço com o Buca e a Paulinha... Nunca! Ele preferia
enfrentar o Ronaldo Fenômeno (dos bons tempos) no mano a mano. Apesar que a
Paulinha (sozinha) ele queria enfrentar outra vez se fosse possível.
Mas o
inevitável aconteceu. O Buca acabou chamando o Carlão para conversar, disse que
seria uma conversa particular, que tinha um assunto urgentíssimo para tratar e
que estava indo direto para a casa do amigo.
Carlão tremeu.
Mas teve que aceitar o encontro, até quis fugir do país, mas não tinha tempo.
Pensou em dezenas de milhares de álibis. Nesse caso a melhor defesa poderia ser
o ataque, pensava em alguma das suas namoradas que pudesse ter sido roubada
pelo Buca, o que transformaria sua traição em
legítimo desconto. Vasculhou suas
fichas de memória: prezinho nada, ginásio nada, na rua
tampouco.
Encontraram-se. Carlão, Buca e quem
mais? Sim, claro, a Paulinha. O primeiro tremia como se tivesse feito um gol
contra no Maracanã lotado. Sabia que nada acontece à toa, se a Paulinha estava
lá era para ser testemunha de acusação, e não para os amigos falarem dos tempos
do prezinho, da Tia Cotinha ou da nova escalação com três zagueiros.
O Buca não
perdeu tempo:
- Carlão, a
gente se conhece desde menino, né? Jogamos juntos. Empinamos pipa. Eu fazia as
provas de português e você as de matemática, nunca ficamos de recuperação.
Tomamos nosso primeiro porre juntos. Eu gravei aquela fita cassete do Guns and
Roses pra você? Lembra?
- Sim –
respondeu Carlão. Bons tempos né Buca?
- Pois é. Mas
crescemos, as coisas foram mudando. Mas, vamos direto ao assunto.
Carlão quase
caiu para trás, ficou paralisado.
- Então Carlão,
você conhece a Paulinha, né? Bom, eu amo muito ela, você sabe. Não consigo
viver sem ela. Né meu bem? Não posso nem imaginar ela com outro. Pois é Carlão,
meu irmão, nós vamos casar, e você será padrinho. Tínhamos que falar primeiro
pra você.
O pior não
aconteceu. Lágrimas desciam dos olhos do Buca. Carlão também chorou, e abraçou
o casal. Depois se levantou e pegou uma cerveja, notícia boa tinha que ser
brindada:
- Um brinde a
vocês! Felicidades! Que casal lindo!
Sim. No jogo de
final de ano vestiriam camisas diferentes, um no time dos casados e o outro no
dos solteiros, mas isso seria tranqüilo. Carlão mal podia esperar por esse
casamento, seria padrinho, e depois das palavras do padre poderia se calar para
sempre, finalmente!
P.S.: Qualquer
semelhança com a realidade e com personagens reais é mera coincidência. Apesar
de ter sido um beque central meia boca, o cronista declara desde já que este
texto não é autobiográfico.
JC
2 comentários:
Eu acredito que o fato desse mero cronista afirmar que o texto não é autobiográfico, é curioso, tendo em vista que a negação esconde uma afirmação....Bem o cronista me parece meio duvidoso...rsrs
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