QUATRO PEÇAS PARA O QUEBRA-CABEÇA DA CONJUNTURA
Não existe fascismo do lado de baixo do
Equador
Com
o crescimento e o fortalecimento da extrema-direita, um espectro ronda o Brasil
e, por extensão, a América-latina: o espectro do fascismo. Sendo assim, não nos
resta alternativa senão começar analisando o crescimento da extrema-direita
brasileira, movimento que culminou na eleição de Jair Bolsonaro.
O
fascismo nasceu na Itália, no começo do século XX, tinha como objetivo central
ampliar a produtividade e, consequentemente, a acumulação, colocando o país
entre as principais potências imperialistas. Para isso atacou partidos e
sindicatos de esquerda; protegeu a indústria nacional; ampliou a produção
bélica; desenvolveu ideias racistas para legitimar a invasão de territórios; conquistou
posições na África e no leste europeu, garantindo matérias-primas e mercados.
Como se vê, o fascismo é essencialmente antiliberal e nacionalista, empregou a
mão pesada do Estado para acelerar o desenvolvimento das forças produtivas de
uma economia atrasada na corrida imperialista. É quase um capitalismo de
guerra, recusa o liberalismo faz-de-conta dos países mais avançados, que não
seguem o receituário que pregam. O fascismo tomou e adaptou o Estado às
necessidades expansionistas da burguesia industrial italiana.¹
Se
o fascismo é um movimento autoritário para acelerar o desenvolvimento das
forças produtivas no interesse da burguesia nacional, em terras tupiniquins o
varguismo foi o que chegou mais perto do fenômeno. Atacando partidos e
organizações de esquerda, operando numa conjuntura de polarização imperialista,
negociando com os dois polos em disputa, Vargas conseguiu dar um passo
importante para o capitalismo brasileiro: implantou a indústria de base no
país. O melhor exemplo é Companhia Vale do Rio Doce, criada em 1942, e
comprometida a exportar minério de ferro para os países aliados, especialmente
Inglaterra e EUA. Estes autorizaram e apoiaram a criação da empresa, desde que
o Brasil se comprometesse a exportar-lhes a produção, garantindo matéria-prima
essencial para a indústria bélica. Além da Vale do Rio Doce, Vargas criou a
Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Fábrica Nacional de Motores (1943), a
Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945) e a Petrobrás (1953).
Mas
a burguesia brasileira não teve nem força nem coragem para dar o passo
seguinte. Com a instalação da indústria de base, seria preciso instalar a
indústria produtora de bens de consumo duráveis, complemento natural da
primeira. Mas havia duas barreiras consideráveis: I) Brasil era e é um país
atrasado, que não fez sequer reformas burguesas para integrar a maioria da
população ao mercado consumidor, dispondo, portanto, de reduzida capacidade de
consumo interno (a reforma agrária era e é uma das medidas sempre evitadas pela
burguesia brasileira). II) A indústria produtora de bens de consumo duráveis
brasileira teria que enfrentar concorrentes estrangeiros já estabelecidos, o
que só seria possível se apoiada por um Estado forte e respaldada por uma
burguesia disposta peitar interesses imperialistas.
Com
exceção de períodos curtos e limitados (varguismo e janguismo), a saída da
burguesia brasileira nunca foi o enfrentamento contra o imperialismo, pelo
contrário. No final dos anos 1950, com Juscelino Kubitschek, optou-se pelo
desenvolvimento associado ao imperialismo, atraindo indústrias estrangeiras para
a produção de bens de consumo duráveis, como as montadoras de automóveis. No
começo dos anos 1960, com João Goulart, esbouçou-se uma tentativa de realizar
reformas para estruturar o capitalismo nacional, eram as chamadas reformas de
base, que, no limite, ampliariam o mercado consumidor, viabilizando o
desenvolvimento da indústria. A resposta da burguesia brasileira foi o golpe
empresarial-militar de 1964, que liquidou o impeto reformista e sacramentou o
desenvolvimento associado e dependente: tendo os Estados Unidos como guia e
abrindo mão do desenvolvimentismo independente.
Promovido
pela ditadura empresarial-militar entre 1968 e 1973, o “milagre econômico brasileiro”
teve vida curta, baseado na exploração e no controle autoritário sobre a
mão-de-obra abundante, barata e substituível, os limites se impuseram
rapidamente: reduzido mercado interno nacional (trabalhava-se muito e
ganhava-se pouco), remessas de lucros para o exterior (as empresas produtoras
de bens de consumo duráveis eram estrangeiras), crise do petróleo
(matéria-prima essencial para o desenvolvimento da indústria), inexistência da
produção de bens de capital no país (o crescimento da indústria nacional era
dependente de máquinas e equipamentos importados, desequilíbrios na balança
comercial aconteciam sempre que a economia crescia).
Como
se vê, o pleno desenvolvimento industrial brasileiro dependeria de três passos:
I) Implantação da indústria de base para garantir matérias-primas e insumos.
II) Desenvolvimento da indústria produtora de bens de consumo, que exige um
mercado interno forte. III) Criação da indústria produtora de bens de capital.
O processo estancou entre os passos I e II, quando a burguesia optou por atrair
e estabelecer empresas estrangeiras em terras tupiniquins, associando-se de
forma subordinada ao imperialismo, especialmente estadunidense. Vale lembrar
que, no final da ditadura empresarial-militar, arriscou-se o terceiro passo, tentando implantar
a indústria de produção de bens de capital, como não poderia deixar de ser, a
iniciativa fracassou gerando apenas endividamento para o país.
É
sintomático que, para defender que existe fascismo no Brasil, os analistas se
limitem a aspectos ideológicos. Exemplo: Safatle2 afirma que quatro
elementos definem o fascismo: I) Culto da violência. II) Não há fascismo
sem a ressurreição do Estado-nação na sua versão paranoica. III) O fascismo
sempre será solidário com a insensibilidade absoluta à violência com as classes
vulneráveis. IV) O fascismo sempre será baseado na deposição da força popular
em prol da liderança fora da lei. Quando discutem a base econômica do fenômeno,
os analistas são obrigados a falar em “neofascismo”, ou a ressaltar diferenças
em relação ao “fascismo clássico”. Às vezes chegam a falar em fascismo
neoliberal, que é uma contradição nos termos, se é fascista não pode ser
neoliberal. Um fascismo neoliberal seria algo como um socialismo liberal, ou
seja, uma contradição nos termos.
O
ódio bocó pode gerar fascistas brasileiros, e sabemos que eles existiram, mas,
no limite, a burguesia nacional, que prefere ser sócia minoritária do
imperialismo, é quem impede a implantação de um regime fascista no país. Não há
fascismo se não existe um projeto expansionista da burguesia. Por isso é um
erro com consequências graves dizer que há fascismo no Brasil. Um fascista pode
ser acusado de muitas coisas, menos de ser lambe-botas do imperialismo. Por
essa razão o bolsonarismo não é fascista. Não existe fascismo entreguista.
A
opção histórica da burguesia brasileira, imposta pelo golpe empresarial-militar
de 1964 e ratificada pelo neoliberalismo, é desenvolvimento associado, como
sócia menor do imperialismo. Para haver fascismo precisaria existir uma
burguesia nacional disposta a ampliar a acumulação por meio de um Estado forte:
interventor, autoritário e capaz de se contrapor ao imperialismo. Essa,
definitivamente, não é a opção da burguesia brasileira. O fascismo surgiu na
Itália para ampliar a acumulação capitalista e se contrapor aos países
imperialistas; o bolsonarismo nasceu no Brasil como apêndice do imperialismo
estadunidense, é sintomático que o ex-capitão tenha batido continência para a
bandeira dos EUA.
Se
é assim, ainda que possam existir fascistas brasileiros, não há sinais de que o
fascismo vá se impor em terras tupiniquins. Importante ressaltar que, embora o
fascismo não esteja no horizonte enquanto regime, não significa que a repressão
e o autoritarismo não estejam em alta e com tendência de crescimento, podendo,
inclusive, partir para o isolamento e a liquidação física de forças
progressistas. Trata-se, em verdade, de procurar entender o fenômeno para se
contrapor a ele. Afinal, sabe-se, desde Sun Tzu, que quem conhece o inimigo e a
si mesmo não precisa temer o resultado das batalhas que trava, por outro lado,
será derrotado quem não conhece nem o inimigo nem a si mesmo.
Uma
coisa é combater um regime fascista, outra coisa é combater um regime
neoliberal que apoia grupos de extrema-direita. Segundo a anedota, o Coronel
Juan Domingo Perón dava seta para a esquerda, mas entrava para a direita. É o
que faz o PT no Brasil ao alardear a ameaça fascista. Se acreditasse realmente
no próprio discurso, por que o PT não mobiliza suas bases e aparatos para
combater grupos e indivíduos fascistas? Por que o PT não compôs uma frente
eleitoral com chances de derrotar o candidato da extrema-direita? A resposta é
simples: porque ao PT interessa hegemonizar e manter o cabresto sobre a esquerda sem
se contrapor ao regime, e aí vale tudo, inclusive definir um neoliberal como
fascista para se manter no páreo eleitoral. Seja como for, às forças que se
contrapõe ao regime cabe conhecer o inimigo, é o ensinamento milenar de Sun
Tzu.
Maurílio Lima Botelho3 tem
uma sacada interessante, associa a estrutura econômica fascista às formas de
violência observadas na primeira metade do século XX: produção em massa =
assassinatos em massa – trincheiras, infantaria e câmaras de gás. À estrutura
econômica do modo de produção capitalista contemporâneo o autor associa padrões
de violência “neofascistas”: produção flexível = assassinatos flexíveis –
drones, grupos de extermínio e atiradores de elite.
As diferenças na estrutura econômica e
nos padrões de violência entre os períodos fascista (na Itália e na Alemanha) e
“neofascista” (no Brasil) são gritantes, demonstram que não há continuidade
entre os dois fenômenos e, que, portanto, é um erro associar o crescimento da
extrema-direita brasileira ao fascismo ou ao “neofascismo” (razão pela qual
neofascismo está entre aspas por aqui). Na Itália – e principalmente na
Alemanha – se tratava de submeter a classe trabalhadora e povos conquistados às
exigências da acumulação de capital. No Brasil atual trata-se de conter e, no
limite, eliminar milhões de pessoas descartadas pelo sistema econômico
estruturado para garantir lucros ao agronegócio e ao mercado financeiro. No
arranjo brasileiro o capital industrial é sócio menor e interligado ao agronegócio
e ao mercado financeiro. No arranjo fascista o capital industrial era
estratégico.
Se
com o fascismo, de Mussolini, tratava-se de tomar e adaptar o Estado às necessidades
expansionistas da burguesia industrial italiana; com o neoliberalismo, de Jair
Bolsonaro, trata-se de tomar e adaptar o Estado para garantir os lucros do
agronegócio e do mercado financeiro, apesar da crise do capital. O que é
suficiente para demonstrar a distância que separa um fenômeno do outro.
Era
fatal que o faz-de-conta terminasse assim
1947: Sivuca compôs uma valsa para tocar
em serenatas. 1976: a valsa foi enviada para Chico Buarque fazer a letra. 1977:
a canção João e Maria é gravada por Nara Leão no disco Os meus amigos são um barato, que contou com a participação de
Sivuca e Chico Buarque. Como a valsa de Sivuca foi composta quando Chico tinha três
anos, ele a associou à infância, e criou uma letra em que duas crianças brincam
de serem reis, bedéis, juízes, cowboys e noivas. 2016: ouvi por acaso a canção
João e Maria, já tinha ocorrido o golpe que afastou Dilma Rousseff, era época
das eleições municipais; mesmo conhecendo a história da canção, me parecia que
a letra sintetizava os treze anos de petismo no poder: “Agora era fatal que o
faz-de-conta terminasse assim, pra lá desse quintal era uma noite que não tem
mais fim”. Desconfio que o Chico não endossaria minha leitura, posto que o
compositor costuma endossar os governos do PT. Mas uma coisa é certa, nós que
criticávamos a política de conciliação de classes há tempos dizíamos que o
faz-de-conta terminaria como terminou: fortalecendo a extrema-direita. Para
manter o faz-de-conta que não é neoliberal, o petismo desmobilizou a classe
trabalhadora, ao fazer isso abriu as portas para a passagem da extrema-direita
impulsionada e fortalecida pelas frustrações acumuladas.
A estratégia dos governos petistas foi o
faz-de-conta que não é neoliberal. Tratava-se de mudar com os instrumentos
tolerados pelo neoliberalismo: ampliação do crédito e programas de renda
mínima. Programas de renda mínima, como o bolsa
família, levariam recursos para comunidades pobres, que demandariam produtos de
primeira necessidade produzidos na própria região, fortalecendo o mercado
interno e o emprego. A ampliação do crédito alavancaria o consumo e, por
tabela, o mercado interno e o emprego. Tudo isso sem deixar de pagar um
real da dívida pública, cumprindo a lei de responsabilidade fiscal, batendo as
metas de inflação, gerando superávits primários, garantindo lucros astronômicos
a especuladores, sem regulamentar a mídia empresarial, se aliando com partidos
fisiológicos, sem fazer reforma agrária, promovendo o agronegócio, sem reverter
a desindustrialização do país, sem contrariar o “mercado”, sem passar a
ditadura empresarial-militar de 1964 a limpo, sem julgar torturadores, sem
desmilitarizar as polícias, sem enfrentar as oligarquias, sem alterar a
estrutura política e econômica do país. O faz-de-conta foi infinito enquanto
duraram os “anos de ouro das commodities” e a fartura de capitais
especulativos, revertido o ciclo, com os preços das commodities em queda livre e
sem crédito fácil, do projeto de ampliação do mercado interno restou uma massa
de endividados: com medo, com raiva, desempregados, sem esperança e sem
condições de consumir.
1947: economistas, filósofos e políticos
se reúnem na cidade suíça de Mont Pèlerin com o objetivo de promover o neoliberalismo, doutrina que se opunha
ao keynesianismo, política econômica anticíclica segundo a qual os governos
deviam compensar os investimentos privados para evitar as crises: diminuindo os
investimentos públicos quando a economia estivesse aquecida e ampliando os
investimentos públicos quando a economia estivesse desaquecida. No discurso
(faz-de-conta) os neoliberais pregam a não intervenção do Estado na economia,
na prática é exatamente o contrário, como demonstram os pesados investimentos
do governo Reagan na indústria bélica estadunidense.4 1968: do
Brasil ao México, de Praga a Paris, as pessoas vão às ruas para protestar, se
nos países periféricos a relação não é imediata, nos países centrais, como
França e EUA, a contestação é, no limite, contra a sociedade de produção e de
consumo em massa. Acende, portanto, a luz amarela para o capital. Nos anos
seguintes, com o término da reconstrução da Europa, destruída na Segunda Guerra
Mundial, e com o reposicionamento de empresas alemãs e japonesas, acirra-se a
concorrência intercapitalista. A resposta do capital foi a reestruturação
produtiva por meio do aprofundamento da automação. Grandes investimentos são
realizados em setores de ponta: informática, química fina, novos matérias e
biotecnologia.4 Paralelamente à reestruturação tecnológica da base
produtiva, são desenvolvidas técnicas de gestão de mão de obra mais flexíveis,
o fordismo é superado pelo toyotismo. A produtividade crescente exige a
ampliação dos mercados.4 Aprofunda-se o fenômeno conhecido como
globalização. É quando o neoliberalismo sai da gaveta. O keynesianismo é a
política econômica das sociedades fordistas, de consumo e produção de massa; o
neoliberalismo é a política econômica das sociedades revolucionadas pela
reestruturação produtiva. Entre 1945 e 1970 os ganhos de produtividade foram
mais ou menos divididos entre capital e trabalho, com a reestruturação produtiva
e o neoliberalismo, o capital avançou sobre o trabalho. 1973: golpe militar no
Chile, com a derrubada do governo Allende é ensaiada a primeira experiência
neoliberal, o neoliberalismo ser implantando na marra não é mera coincidência.
Posteriormente, com o golpe militar, a Argentina faria seu primeiro ensaio
neoliberal. Era fatal que o faz-de-conta começasse assim, apesar da demagogia
democrática, o neoliberais sabem que, para implantar e sustentar suas propostas
precisam de um Estado autoritário. Sintomático o fato do papa do
neoliberalismo, Milton Friedman, ter visitado o Chile nos anos mais duros da
ditadura Pinochet.5
Construída
a partir de fakenews e da desinformação proposital, era difícil ter certeza do
que seria o governo Bolsonaro. Eleição ganha, à medida que começam a ser
indicados os ministros e a ações, fica cada vez mais nítido que trata-se de um
governo que vai tentar concluir a implantação do neoliberalismo no Brasil,
projeto deixado inconcluso pelos neoliberais almofadinhas (PSDB) e pelos
neoliberais da conciliação (PT). O capitalismo brasileiro está estruturado para
garantir os lucros do agronegócio e do mercado financeiro, que, é importante
lembrar, são capitais interligados, exemplo: o mercado financeiro oferece
Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), o agronegócio investe em outros
“produtos” do mercado financeiro. Daí a santíssima trindade brasileira: metas
de inflação, lei de responsabilidade fiscal e superávits primários.
Metas
de inflação para garantir a estabilidade da moeda e a “racionalidade” do
sistema econômico. Lei de responsabilidade fiscal para destinar recursos
públicos fundamentalmente para o pagamento de juros aos detentores de títulos
da dívida pública, especialmente banqueiros. Superávits primários para poupar
recursos públicos para pagamento da dívida. Metas de inflação, lei de
responsabilidade fiscal e superávits primários compõe a santíssima trindade do
capitalismo brasileiro, é o que unifica os gestores da burguesia brasileira: de
FHC a Lula, de Dilma a Bolsonaro. O compromisso com a santíssima trindade do
capitalismo brasileiro ajuda a explicar por que Bolsonaro não tem condições de
organizar um governo fascista, para tanto seria preciso romper com o arranjo
destinado a engordar o mercado financeiro e ampliar a acumulação capitalista,
especialmente no setor industrial. Mas, como discutimos anteriormente, a
indústria brasileira é pouco desenvolvida e está submetida ao capital
financeiro, ou seja, também ela reza o terço da santíssima trindade. O capital
financeiro não apoiaria Bolsonaro se houvesse qualquer risco de ruptura com a
política de metas de inflação, lei de responsabilidade fiscal e superávits
primários.
Olhando
para trás e considerando que o neoliberalismo começou a ser implantando no
Chile e na Argentina, nos anos 1970 e após golpes militares, é possível
concluir que não há novidade em Bolsonaro e nos generais que o acompanham, é
apenas uma volta ao passado: trata-se de entregar recursos previdenciários de
bandeja para o mercado financeiro, liberar mais recursos públicos para
pagamento de juros, privatizar estatais e fechar ou repassar à “iniciativa”
privada o que resta da educação e da saúde pública. Como sabem que haverá
resistência contra o ataque que planejam, aliaram-se a militares entreguistas, os únicos que podem tentar garantir
o avanço do neoliberalismo no Brasil. O chicago boy Paulo Guedes é a ponte
óbvia que liga o Brasil de 2018 ao Chile de 1973.
Bancarrota blues
Parido
em 1947, o neoliberalismo saiu da gaveta nos anos 1970, era um jovem
envelhecido de vinte e poucos anos, que radicalizava o discurso liberal de
Smith e outros. Sacada de Luiz Filgueiras4: o liberalismo surgiu num
momento de expansão do modo de produção capitalista, era, à época, um anúncio
da modernidade e da burguesia em ascensão; o neoliberalismo defende o retorno a
tempos em que a maioria da população estava excluída do mercado, trata-se de
uma doutrina antiga e regressiva em todos os sentidos – econômico, político e
social. Ou seja, o neoliberalismo é uma doutrina recauchutada e desenterrada
para socorrer o capital.
Outro
aspecto fundamental do neoliberalismo foi destacado por Filgueiras4,
mas é pouco tratado atualmente: a desigualdade é um valor positivo para os
neoliberais, ela seria a base imprescindível para a construção de uma sociedade
democrática. É por isso que era fatal que o neoliberalismo de conciliação
petista terminasse como terminou: o neoliberalismo exclui a conciliação, se é
neoliberal não pode ser conciliador.
Para
administrar a desigualdade que inevitavelmente promove, o neoliberalismo aposta
em programas de renda mínima. É de Milton Friedman a proposta de criação de
programas de “renda mínima”, como o bolsa-família, defendido pelos neoliberais
brasileiros, de FHC a Lula, passando por Dilma e até Bolsonaro, este último um
pouco contrariado.
O
modo de produção capitalista é forçado a se revolucionar incessantemente, no
começo a década de 1970 essa necessidade se tornou ainda mais imperiosa. Além
das contestações à sociedade de produção e consumo em massa; acirrava-se a
concorrência intercapitalista, com o reposicionamento de empresas alemãs e
japonesas; a Europa, que havia sido destruída na Segunda Guerra,já estava
razoavelmente de pé. Para sobreviver e para se prevenir de contestações o
capital foi forçado a aprofundar a automação e a se reestruturar.
É
sabido, desde Marx, que vigora no capitalismo a lei da queda tendencial das
taxas de lucro. Ao se reestruturar ampliando a automação, o capital substituiu
trabalho vivo (homens e mulheres) por trabalho morto (máquinas e equipamentos),
no curto prazo e para os que estavam na linha de frente do movimento, houve um
pequeno alívio: leve recuperação das taxas de lucro e diminuição das
contestações operárias. Mas, como mostrou Marx, à medida que as inovações
tecnológicas se espalham, as taxas de lucro tendem a cair, porque só o trabalho
vivo (homens e mulheres) gera valor.
A
queda tendencial das taxas de lucro nos termos colocados por Marx é o que
explica a crise do modo capitalista de produção. Sem inovações capazes de
baratear o próprio capital e sem guerras em intensidade suficiente para destruir
capitais e possibilitar a retomada da acumulação: o modo capitalista de
produção atolou na crise. As sucessivas bolhas especulativas e seus estouros
provam que os lucros não encontram possibilidade de ser reinvestidos na
produção.
A reestruturação
da economia capitalista e o aumento da produtividade exigiu a abertura de novos
mercados, para escoar a produção e reinvestir lucros. É quando aprofunda-se a
globalização e a financeirização da economia, uma e outra ligadas
umbilicalmente à reestruturação produtiva. O neoliberalismo é a política
econômica que articula reestruturação produtiva, abertura de mercados e
financeirização no contexto de crise do modo capitalista de produção. Ao mesmo
tempo em que desregulamentam os mercados financeiros, para permitir o
investimento de capitais que não encontram emprego na produção de mercadorias,
os neoliberais estão sempre atentos para salvar bancos e instituições privadas
com fundos públicos. É a prova de que o neoliberalismo apenas redirecionou e
não aboliu as intervenções estatais na economia. Em vez de compensar os
investimentos privados, como sugeriu Keynes, os neoliberais atuam de maneira
mais explícita, concedem recursos públicos a instituições privadas, mas dizem
que o mercado é redentor e não deve sofrer intervenções. O neoliberalismo
administra a economia como se fosse uma família: é um pai sempre pronto para
socorrer o filho endividado.
Curioso
notar que, nos anos 1970, enquanto o neoliberalismo avançava no Chile e na
Argentina, a ditadura empresarial-militar fazia últimos esforços para
modernizar a industria brasileira, era, em verdade, o canto do cisne. O
resultado foi a ampliação do endividamento e a derrota definitiva do projeto
desenvolvimentista no Brasil. A partir de 1990, com Fernando Collor, cresce a
abertura econômica do país. A partir de 1994, com o Plano Real, são fincados os
alicerces neoliberais em terras tupiniquins, especialmente a santíssima
trindade da economia brasileira: metas de inflação, lei de responsabilidade
fiscal e superávits primários. Parênteses: há desavisados que definem o
neoliberalismo de conciliação (petismo) como desenvolvimentista, ou não sabem o
que é um ou não sabem o que é o outro, se fosse desenvolvimentista e não
neoliberal, o petismo não teria rezado o terço da santíssima trindade.
Há
uma continuidade evidente entre os governos neoliberais no Brasil. Collor
iniciou a abertura econômica e as privatizações. FHC estabilizou a moeda,
ampliou as privatizações, definiu metas de inflação, criou a lei de responsabilidade
fiscal e tentou gerar superávits primários para garantir o pagamento de juros e
amortizações da dívida pública. Lula deu continuidade ao governo FHC, como eram
os “anos de ouro das commodities”, ou seja, como os produtos agrícolas
exportados pelo país estavam com preços altos, foi possível ampliar os
programas de renda mínima e a geração de superávits primários. Dilma assumiu
quando a bolha das commodities estava estourando, e já não era possível manter
os “avanços” dos anos anteriores, sintomático que, no início do segundo mandato
e contrariando tudo que havia dito durante a campanha, a gerentona recorreu a
um ministrão ultraliberal para, no limite, cortar gastos e resguardar os
pagamentos de juros da dívida pública, que é o eixo principal do capitalismo
brasileiro. Temer aprofundou o neoliberalismo: flexibilizou relações de
trabalho para favorecer o capital, tentou reformar a previdência para garantir
recursos para juros da dívida e congelou despesas públicas por vinte anos.
Bolsonaro é uma aposta num governo autoritário para concluir a implantação do
neoliberalismo, porque sabe-se que haverá resistência contra privatizações,
contra a entrega da previdência dos trabalhadores para fundos privados, contra
os ataques aos sistemas públicos de saúde e educação.
A
partir de 2014, quando os preços das commodities já haviam baixado
consideravelmente, a economia brasileira deixou de gerar superávits primários.
Se os pagamentos de juros da dívida pública constituem o eixo principal do
capitalismo brasileiro, o fim dos superávits primários foi a luz amarela para a
burguesia, e não é coincidência que as primeiras movimentações golpistas tenham
ocorrido em 2014. Uma das medidas-chave do golpe de 2016 é o congelamento de
gastos públicos, espécie de complemento da lei de responsabilidade fiscal,
enquanto esta fixa o volume de recursos que podem ser aplicados em pessoal,
custeio e investimentos, aquele determinou que as despesas públicas só podem
ser ampliadas de acordo com o crescimento do PIB. É onde se vê a continuidade e
aprofundamento do neoliberalismo brasileiro, que foi e está sendo cada vez mais
inscrito e fixado no arcabouço legal do país. Nestas condições, nenhum avanço
concreto virá sem ruptura.
Composta
nos anos 1990, no auge das privatizações, a canção Bancarrota Blues tem um
refrão forte: “mas posso vender, quanto vai pagar?” Chico relaciona riquezas:
uma fazenda com casarão, imensa varanda, éden tropical, dá jerimum, dá muito
mamão, tem isca pra anzol, nem precisa pescar, muita mulher pra passar sabão, a
sombra dos oitis, doces lunduns, diamantes rolam no chão, ouro é poeira, os
olhos da amada e os próprios filhos... “Mas posso vender, quanto você dá?” Ao
vivo Chico apresenta e elogia a banda que o acompanha: contra-baixo, piano,
bateria, percussão, sax, flauta, clarinete, teclado, violão, guitarra. O
compositor comenta que se alegra por ser do Brasil e por conviver com os
músicos brasileiros. Na sequência retoma o refrão: “mas posso vender, quem vai
arrematar?” Como se a banda estivesse em leilão. A imagem ajuda a explicar a
conjuntura brasileira: muitas fazendas, dois bancos públicos, universidades
federais, previdência da classe trabalhadora, sistema único de saúde...
“Ninguém me tira nem por mal, mas posso vender, deixe algum sinal”, “tá ok?” – completaria
o ex-capitão.
Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!
Quando
os estudantes secundaristas ocuparam escolas contra a precarização da
educação pública, um grito ecou: “Acabou o amor: isso aqui vai virar o Chile.”
Era uma referência ao combativo movimento estudantil chileno, referência que já
havia sido reivindicada por estudantes universitários brasileiros. Curiosamente
e em sentido oposto, é possível pensar que Bolsonaro reivindicaria o “Acabou o
amor: isso aqui vai virar o Chile.” A ditadura de Pinochet é a irmã mais velha
do governo Bolsonaro. A radicalização
do neoliberalismo é o eixo
central de ambos. Não é coincidência que apoiadores de Bolsonaro tenham
invadido uma assembléia do SINASEFE, em Santa Catarina, para, entre outras ameaças, darem vivas a Pinochet.
Exemplo
mais evidente de aproximação entre Bolsonaro e Pinochet é o regime previdenciário por capitalização
compulsória, com os trabalhadores recolhendo contribuições que comporão suas
aposentadorias no futuro, se sobreviverem à idade mínima. O resultado é
conhecido: 90% dos aposentados recebem pouco mais do que 50% do salário mínimo
chileno.6 Como se não bastasse, os valores recolhidos
compulsoriamente são controlados por fundos privados que cobram taxa de
administração. Bolsonaro quer importar para o Brasil o modelo adotado pela
ditadura Pinochet. Além disso, não é coincidência que o superministro da
economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, tenha sido professor universitário no
Chile de Pinochet; que Bolsonaro tenha afirmado que Pinochet “fez o que tinha
que ser feito”; que o primeiro país visitado por Bolsonaro provavelmente será o
Chile.
O
regime de previdenciário de capitalização compulsória é um bom exemplo dos
limites da democracia no neoliberalismo: os trabalhadores são forçados a
contribuir para fundos privados que administrarão os recursos, mas podem
escolher entre fundos conservadores ou arriscados. Ou seja, o regime de
capitalização é empurrado goela abaixo, mas é possível escolher o perfil de
investimento dos fundos privados. Estes
embolsarão lucros gigantes, aqueles arcarão com prejuízos decorrentes de
aplicações no mercado financeiro. É a agiotagem legalizada. Muito fácil
enriquecer controlando contribuições fixas por décadas, basta emprestá-las,
geralmente aos próprios trabalhadores, cobrando taxas muitos superiores às remuneraçõesdos depósitos. É o paraiso da
especulação financeira.
Se
é verdade que Bolsonaro é um herdeiro de Pinochet, trata-se, apenas, de uma
volta às origens autoritárias do neoliberalismo. Em uma conjuntura de
aprofundamento da crise capitalista, sem nenhum projeto de desenvolvimento
nacional autônomo, só resta à burguesia uma solução de força para garantir,
pelo menos, os lucros do agronegócio e do mercado financeiro. Solução de força
que implica em cancelar conquistas dos trabalhadores, como o sistema único de
saúde, os direitos trabalhistas, a previdência e as universidades públicas.
A
crise atual é de sobreacumulação de capital e não de superprodução de
mercadorias. No limite é a sobreacumulação do capital que impede o
reinvestimento dos lucros na produção de mercadorias, daí a guinada para o
mercado financeiro e a especulação. A história mostra que o capital consegue
girar apesar da estagnação do mercado
consumidor, a ampliação deste é uma necessidade para o crescimento daquele, mas
não para a sobrevivência. Dito de forma mais direta: a ampliação do mercado
consumidor é condição necessária para a expansão e não para a sobrevivência do
capitalismo, a produção de bens de consumo pode ser reduzida sem liquidar o
capital, porque ele consegue girar impulsionado pelo que resta da produção de
bens de consumo, pela indústria
bélica e pela produção de bens
de capital. Por outro lado, à medida que a economia é cada dia mais
automatizada e que cresce a composição orgânica do capital, reduzem-se as taxas
de lucro e o emprego, obrigando os capitalistas a marcharem sobre conquistas
sociais e direitos dos trabalhadores. O que são os regimes previdenciários de
capitalização senão formas de aprofundar a exploração garantindo lucros do mercado
financeiro? O que significa a flexibilização de direitos trabalhistas senão maior apropriação da mais-valia?
O
ataque da burguesia brasileira contra conquistas sociais e direitos dos
trabalhadores é evidente. Revertidos os “anos de ouro” das commodities, foi
preciso enxugar os programas de renda mínima redirecionando recursos para o
capital, movimento sintetizado na
indicação do ultraliberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda no final de 2014, antes do
início do segundo mandato e contrariando toda campanha eleitoral de Dilma
Rousseff. A militarização da sociedade é o movimento complementar e,
registre-se, se aprofundou no primeiro
mandato de Dilma com a lei antiterrorismo, a repressão ao levante de
junho de 2013 e aos protestos contra a Copa. Qual era o objetivo do ultraliberal
indicado pelo governo Dilma para
comandar o Ministério da Fazenda? Garantir o superávit primário! O golpe
de 2016 foi, fundamentalmente, uma tentativa de restabelecer o superávit
primário, Temer conseguiu aprovar congelamento de gastos por 20 anos, mas
faltou a reforma da previdência. Bolsonaro é uma cartada na mesma direção,
acena com a reforma da previdência para restabelecer o superávit primário e a
tigrada para manter a ordem. Há dois fatos que demonstram inequivocamente que
acabou o “amor” para a burguesia brasileira: I) Prenderam Lula, o grande
conciliador, o que aponta que nem as políticas neoliberais de renda mínima
serão toleradas. II) Bolsonaro acena com a extinção do Ministério do Trabalho,
pasta criada por Vargas para, no limite, tentar conciliar trabalho e capital no
interesse da acumulação deste último. Além de abrir mão de políticas de geração
de emprego, extinguir o Ministério do Trabalho significa enquadrar e limitar a
fiscalização do Estado sobre as
condições de trabalho, exigência do capital em tempos de crise.
Um
dirigente petista7 relatou um caso ocorrido na última eleição. Em
campanha eleitoral a militância aborda uma senhora negra, entrega um panfleto e
diz –
“Haddad”. A senhora responde – “Gosto muito de vocês, mas vocês vão quebrar o país.” Eles – “Vamos quebrar o país por quê?”
Ela – “Vocês estão querendo
aumentar o salário mínimo e o bolsa família.” Nesse ponto o dirigente petista
precisou entrar na conversa–
“Mas minha senhora, o que a senhora é?” Ela – “Sou empregada doméstica.” Ele – “Mas se a senhora é empregada doméstica, olha aqui a posição do
Bolsonaro sobre os direitos das empregadas domésticas.” Ela – “Essa posição do Bolsonaro tá
certa, essa coisa de você querer dar direitos tira nossos empregos, olha quanta
gente tá desempregada, cê acha que um professor vai conseguir pagar os direitos
de uma empregada doméstica?” Ele–
“Minha senhora, eu sou professor
e tô nesse caso, eu pago os direitos.” Ela – “O senhor, mas a imensa maioria não, a imensa maioria não
contrata e a gente tem desemprego por causa disso.” Ele –
“Mas minha senhora...” Ela: “Insisto. Gosto muito de vocês. O Haddad é muito
legal. Mas vocês vão transformar o Brasil numa Venezuela.” Ele – “A senhora tá querendo voltar pra
época da escravidão?” Ela para no meio da rua, olha para o dirigente petista e,
antes de partir diz – “Meu
filho, esse país sempre foi e sempre vai ser desigual!”
Com
a mente travada na política de conciliação de classes, o professor e dirigente petista
não consegue tirar todas as conclusões do diálogo com a empregada doméstica,
pensa apenas em termos da batalha cultural que deve ser travada. Afinal,
Bolsonaro sempre disse que os trabalhadores terão que “decidir entre menos
direitos e emprego ou todos os
direitos e desemprego”. A cegueira petista não permite enxergar que, se é para
manter o capitalismo, se é para administrar o capital em crise, se vão
continuar existindo professores universitários que contratam empregadas
domésticas, o argumento dela é muito mais coerente do que o dele. Se o capital em crise será
forçado a reduzir os benefícios e proventos dos assalariados, é óbvio que professores
terão mais dificuldade para contratar empregas domésticas pagando direitos
trabalhistas.
É nas situações históricas complicadas que se impõem as
alternativas. O diálogo entre o dirigente petista e a empregada doméstica é
sintomático. Para construir a resistência e a afirmação para além da eleição de
um candidato a gestor do neoliberalismo, o primeiro passo é dialogar, e a
condição é saber ouvir. Reproduzir acriticamente mantras do neoliberalismo de
conciliação não vai resolver absolutamente nada. O segundo passo é recolocar o
socialismo na ordem do dia. Primeiro teria que concordar para depois discutir o
último argumento da senhora: sim, o Brasil sempre foi desigual, mas não
necessariamente o será para sempre, os trabalhadores precisam tomar o controle
dos meios de produção e da própria vida, inclusive porque o capital coloca em
risco o ecossistema e a sobrevivência da humanidade. Teria que discutir a
herança escravista brasileira e lembrar do crescimento de grupos de
extrema-direita que atacam negros, gays e nordestinos; neste contexto e para
garantir a integridade física dos nossos, será necessário criar comitês de
autodefesa. Teria que defender a possibilidade de existência de um mundo que
não se divida entre burgueses e proletários, professores universitários e
empregadas domésticas. Enfim, o dirigente petista teria que se colocar como um
igual disposto a superar a herança escravista do país, a divisão em classes e o
capitalismo, é o que ele jamais fará.
Era previsível que a extrema-direita avançaria
quando viesse a crise e se esgotasse o neoliberalismo de conciliação. Da mesma
maneira, é previsível, porque inevitável, que a classe trabalhadora resistirá
aos ataques da extrema-direita, tal movimento começa a acontecer, estão
surgindo comitês de luta nos bairros, locais de trabalho e estudo. Recolocar a
radicalidade por baixo, pela e para a esquerda é tarefa dos revolucionários,
porque não se constrói uma casa a partir do telhado. Será incomparável a
derrota se o petismo (neoliberalismo de conciliação) conseguir dirigir a
resistência conduzindo-a para a defesa de valores democráticos, que não vão
existir no neoliberalismo, ainda mais em uma conjuntura de crise do capital. O
petismo defende os valores democráticos assim como a direita se apresenta com
anticorrupta, ambos sabem que o neoliberalismo é corrupto e antidemocrático,
mas se valem do faz-de-conta engana-trouxa. Por outro lado, será um avanço se a
classe trabalhadora conseguir esboçar um projeto de poder a partir de baixo e
pela esquerda.
O neoliberalismo almofadinha
(PSDB) está tão superado quando o
neoliberalismo de conciliação (PT), o que não significa que não possam ganhar
eleições, mas sinaliza que, para gerenciar o capital em crise terão que atuar
com porrete e mão de ferro, numa intensidade muito maior do que fizeram. Nesta
conjuntura, o retorno às origens autoritárias do neoliberalismo se torna inevitável
para a burguesia, que apresenta suas armas: governo forte e militarizado para
garantir lucros do capital, contenção e, no limite, eliminação de opositores,
desde a esquerda organizada até os excluído dos mercados de trabalho e consumo.
Se é assim, só resta à esquerda e à classe trabalhadora recolocarem o
socialismo na ordem do dia, de baixo para cima e pela esquerda, aliando
ocupação de espaços de moradia e de produção com a autodefesa, forjando a superação
do modo capitalista de produção. A democracia de verdade só pode existir se a
resistência avançar e derrotar o neoliberalismo. Defender os valores
democráticos é fortalecer a auto-organização da classe trabalhadora por baixo e
pela esquerda.
Milan Kundera cita um quarteto Beethoven em que dois
homens dialogam. Um – Muss es sein (tem que ser assim)? Outro – Es muss sein
(tem de ser)! Outro – Es muss sein (tem de ser)! Outro novamente – Heraus mit dem
Beutel (abra sua bolsa)! No original tratava-se de um diálogo em que um homem
pede para que outro lhe pague uma dívida. Na conjuntura atual soa como um
imperativo (es muss sein!) do capital em crise, que precisa ampliar a
expropriação de mais-valia: abra sua bolsa! Se é assim, o imperativo (es muss
sein!) da classe trabalhadora é o socialismo: sem mistificações, sem recuos,
sem dúvida!
REFERÊNCIAS
1 Costa, A. de B. NÃO EXISTE FASCISMO NO BRASIL. Disponível em:
http://www.iela.ufsc.br/noticia/nao-existe-fascismo-no-brasil Acesso em: 29
out. 2018.
2 Safatle, V. O QUE É FASCISMO? Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=_ypurfdlPmU Acesso em: 31 out. 2018.
3 Botelho, M. L. TECNOLOGIA E NEOFASCISMO.
Disponível em:
https://blogdaconsequencia.com/2018/10/24/tecnologia-e-neofascismo/ Acesso em:
01 nov. 2018.
4 Filgueiras, L. A. M. REESTRURURAÇÃO PRODUTIVA, GLOBALIZAÇÃO E
NEOLIBERALISMO: CAPITALISMO E EXCLUSÃO SOCIAL NESTE FINAL DE SÉCULO. Seminário
O Mal-Estar no Fim do Século XX, p. 895-919, 1997. Disponível em:
http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/neoglobliberalismo.pdf Acesso em: 27
set. 2015.
5 Estefanía, J. ESCOLA DE CHICAGO FLORESCE NO AUTORITARISMO.
Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/26/internacional/1540555749_404186.html
Acesso em: 29 out. 2018.
6 Reverbel, P. COMO É SE APOSENTAR NO CHILE,
O 1º PAÍS A PRIVATIZAR A SUA PREVIDÊNCIA. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39931826 Acesso em: 11 nov. 2018.
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