O Samba Que Não Acabou

Camarada JC

Principio concordando com suas razões, que também são minhas, de talvez encerrarmos a polêmica. Tomam tempo e são, de fato, cansativas demais. Eu poderia, claro, encerrá-la sem comentário ou resposta extensa, porém, como diz no meu caso, seu último texto também abre algumas questões e demandam, talvez, alguma justificativa ou explicação, e estas levam consigo alguma crítica. Portanto seguem estas e, na ausência de contra-resposta, finalizamos então a questão se assim preferir, não há o menor problema. Numa pequena provocação, essas nossas mútuas e justas razões não deixam de apontar algum contraste com a necessidade de militante a que se referiu anteriormente logo no intróito de sua penúltima explanação. Eu acho que quase nunca uma idéia, ou uma vontade, é capaz de contemplar a totalidade das contingências, a despeito de nossas pretensões. Portanto desconsidere, ao menos como necessária, qualquer resposta para eventuais perguntas que surjam. E me permita algumas palavras 'pesadas', acredito tê-las usado quando julguei o objeto da crítica também pesado.

Quando eu disse "samba descompassado" assinalei dessa forma o que entendi como descompasso dos argumentos, apenas, e a forma com que escrevi o texto segue mais ou menos a ordem das questões abordadas no seu, usei essa forma para tentar não deixar nenhum ponto sem justificação/refutação/comentário e, caso isso tenha ocorrido, a escolha deliberada e explícita dessa forma pode não ter sido suficiente. O título é evidente alusão ao título de seu texto, mas não significa, para mim, que não tenha havido, necessariamente, comunicação, ainda que isso possa ter ocorrido, mas antes desacordo com alguns argumentos ou pressupostos destes. O interessante, o importante nas discordâncias são justamente os argumentos que as sustentam. No caso de minha afirmação de que deixa de fora das bordas de seu pensamento determinado problema, não afirmei simplesmente, deixando sem explicação. Essa está lá, contextualizei, basta conferir. Nesse mesmo texto utilizei um subtexto, "O Samba da Linguagem", para me referir a essas questões, já que nós dois, defendendo alguns pontos diferentes, nos utilizamos da mesma máxima de Rosa Luxemburgo sobre a liberdade. Esse fato talvez reforce um pouco o que pretendo abordar mais abaixo.
É possível que possa tê-lo deixado, talvez, sem algum argumento, embora meu esforço tenha sido em prol do argumento, mas também creio que isso tenha ocorrido em suas réplicas. Para o caso de ter sido assim, vamos aos esclarecimentos.
Ideologia, Profecia e Lágrimas Kitsch
Sobre o "compromisso ético e ao engajamento",  que "enxerga-os como escolha e não como exigência", tudo bem. Manifesta assim seu desacordo com a prática de grande parte da esquerda, aquela para a qual creio que "compromisso ético e engajamento ocupem o trono de Cristo como redentor do pecado original",  talvez até a mais hegemônica porque presente, inclusive, como aura moral na esquerda de matiz democrático. Registro apenas que essa posição guarda algum atrito com colocações como “Pensar que todas as organizações políticas criam o kitsch é desarmar a luta de classes”, rejeição à críticas porque desarmam a luta de classes; “como não existe transformação social sem organização política, rechaçar esta significa inviabilizar aquela”, rejeição à críticas quando estas inviabilizam a organização política; "[os personagens de Kundera]...são incapazes de se contrapor ao socialismo degenerado, porque para tanto seria preciso fazer uso de partidos e movimentos políticos, incorrendo, portanto, no kitsch", imputação de incapacidade a tantos quantos recusem partidos e movimentos políticos, todas colocações carregadas de oposição ideológica que inferem, por negação, a exigência do contrário como meio de recusa da crítica.
Se, de certa forma, a vida presenteia a humanidade com mais motivos para chorar que para rir, fato que faz gerações inteiras nutrirem o desejo de mudar o mundo, não devemos parar em qualquer lágrima. Sentimentos inspirados pela emoção da 3ª e 4ª lágrimas, como qualificou os sentimentos opostos aos da 1ª e 2ª, são naturalmente incapazes de compartilhar essa emoção a ponto de formarem partidos, religiões e torcidas. Seu caráter extremamente negativo os impedem, o máximo a que chegam é a admiração de alguns leitores com o kitsch literário. Poetas românticos europeus, como Baudelaire e Goethe, por exemplo, e brasileiros como Álvares de Azevedo, chamavam a esse estado de espírito Spleen, sentimento chamado por nossa língua de 'melancolia'. Era um estado de espírito antes de tudo crítico a vida, não raro cantavam a morte como solução final para o 'fardo' da vida. Desnecessário dizer que extraíam dessa melancolia, moldura de sua estética e de seu lirismo, sua força para viver. Desnecessário dizer também que a lágrima derramada por esse sentimento era, antes de tudo, um convite à morte. É conhecido o episódio, trágico, ocorrido quando da publicação, por Goethe, de seu romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther". A obra desencadeou uma onda de suicídios pela europa. Ok, uma estética de emoção capaz de criar, ou despertar, um forte sentimento de identidade entre seus leitores. Não é, porém, um sentimento capaz de criar, ou despertar, o acordo categórico com o ser, um acordo para a vida, com o ser. Sarte disse que o inferno são os outros. O homem do subsolo, portador dessa lágrima, se respalda suas certezas em terceiros, não compartilha com esses sua lágrima. Os outros, para ele, são a negação que confirma a regra, a lágrima, o inferno. Naturalmente, 1ª, 2ª, 3ª e 4ª lágrimas não diferem em natureza, são interpoladas e, assim, a matriz do Kitsch Spleen, se assim podemos chamá-lo, seria a 4ª lágrima, a única que faz o kitsch ser o kitsch. Mas o que diferem entre si 1ª-2ª e 3ª-4ª lágrimas são seus motivos causadores, e o Kitsch, como ideal estético do acordo categórico com o ser, só pode obedecer a um acordo, o único que promova a vida, nunca a um desacordo, insólito em relação a um acordo, que a lamenta. Talvez por isso o homem do subsolo não ganhe o primeiro lugar, da primeira e segunda lágrima. A emoção compartilhada, como atributo sentimental, prescinde do espírito crítico, e se este é completamente ausente na 1ª e 2ª lágrimas, é presente desde a 3ª e isso é precisamente o que está na contra-mão de um acordo categórico com o ser.
Não se trata, portanto, de uma simples ou exata inversão do fenômeno, como se estes guardassem exatamente as mesmas características e as mesmas consequências. Naturalmente que não resolve o problema, caso contrário o kitsch não seria um problema. Apenas a 3ª e a 4ª lágrimas caminham alguns passos atrás do kitsch, o que talvez as coloque um passo à frente de sua negação. A natureza de seus sentimentos está em direção oposta.
As lágrimas da emoção kitsch que citei, retiradas de citação do próprio Kundera, foram para responder à sua indagação sobre a razão de o kistsch ser próprio das organizações, dos partidos, como eu havia afirmado. Partes pertinentes da citação: “é preciso evidentemente que os sentimentos suscitados pelo kitsch possam ser compartilhados pelo maior número possível de pessoas. Por isso, o kitsch não se interessa pelo insólito..."; "...O kitsch faz nascer, uma após outra, duas lágrimas de emoção. A primeira lágrima diz: Como é bonito crianças correndo num gramado!A segunda lágrima diz: Como é bonito se emocionar com toda a humanidade ao ver crianças correndo num gramado! Somente essa segunda lágrima faz o kitsch ser o kitsch...".
Quer dizer, a lágrima que define o kitsch como próprio das multidões, movimentos, etc, é a 2ª, porque o acordo categórico compartilha um ideal de vida e demanda aceitação recíproca. Não havia então, de minha parte, necessidade de pensar em 3ª e 4ª, ou 5ª e 6ª, etc. No caso dessa 6ª, não sei porque pensou que eu trilharia esse caminho...nunca concordamos com a lágrima trotskysta. Se você observou esse aspecto, das outras lágrimas, ok, porém não avançar na explanação das lágrimas kitsch não significa necessariamente não aspirar à liberdade e ao pensamento sem fronteiras, mas sim, nesse caso, de que as lágrimas derramadas nos partidos, movimentos e organizações são a 1ª e 2ª, e só a 2ª faz o kitsch ser o kitsch.
Para a História, para a evolução da História, não há alguém que possa dizer o que é, ou o que será, a síntese. Esta é a conclusão, o fechamento de ciclos anteriores, e saber como será, ainda que apontem alguma direção, é só uma tentativa com riscos, exercitar-se em terreno pantanoso, com perigos que podem nos engolir. No pântano, lugar onde não existem apenas hipóteses positivas para nossas teses e antíteses, avançar torna-se uma loteria. Uns acham que a síntese é ou pode ser positiva, outros acham que se correr o bicho pega e se ficar o bicho come...Se a síntese, como resultado positivo ou negativo, segundo determinado ponto de vista, é realizada pelos eventos históricos, como avançar para uma conclusão? Por isso falamos com mais propriedade das teses e antíteses do que quando falamos da síntese, e se podemos ser atropelados nesta, o risco sempre é maior ao avançar sabe-se lá para onde. Risco sempre existe, e a síntese como ponto de partida para uma análise e conclusão é a quimera de começar por um fim que não aconteceu.
As expressões "Cortina de Ferro" e "Socialismo Real". Sua colocação sobre esses termos usados por mim foi “se escolho a leveza na sua perspectiva (não tomar parte de nenhum lugar na minha existência social), posso levitar tranqüilo sobre o campo das definições, inclusive empregando expressões como cortina de ferro e sugerindo outras como socialismo real”. O que para mim está claro aqui, e basta dizer o motivo se não o for, é a construção da idéia de forma condicional, ou seja, a hipótese de escolher a leveza na minha perspectiva (não tomar parte de nenhum lugar na minha existência social) seguida da conclusão de que poderia então "levitar tranqüilo sobre o campo das definições, inclusive empregando expressões como cortina de ferro e sugerindo outras como socialismo real”. Sua censura a esses termos se expressou, para mim, através de um critério exclusivamente ideológico. Quer dizer, para não levitar tranquilo (expressão com a qual discordo para definir a leveza) sobre o campo das definições não posso escolher a leveza. 1º) É uma recusa de valor ideológico porque parte do fim para negar o princípio. 2º) como se uma coisa levasse necessariamente à outra. Por isso defini sua censura como patrulha ideológica, outro termo um tanto inadequado, mas não despropositado. Seria um absurdo eu achar que você ou quem quer que seja não pode discordar, o termo que usei apenas qualificou, para mim, a natureza de sua discordância. Não tem jeito, se eu discordar eu preciso esclarecer o motivo, e não afirmo, absolutamente, que não pode haver discordância moral ou ideológica, mas se nesse campo as coisas são sempre mais relativas, como pretender estacionar no campo da crítica ideológica? Claro que ela é pertinente, mas se não queremos nos portar como profetas de uma verdade, pois esta sempre vai poder nos desmentir, a crítica deve estar melhor colocada. Se acha que bani sua crítica quando usei termos como "instrumentalizado", "patrulha ideológica", penso que esclareci os motivos. Resolveríamos isso num instante se nos detivéssemos mais em desconstruir argumentos antagônicos por dentro que construir os novos por fora. Foi o que tentei fazer, ainda que empregando um termo inadequado. Reinvidicamos a mesma pretensão.
A Liberdade e a Última Astúcia da História
"Que canção cantavam as sereias? Que nome tomara Aquiles quando se ocultou entre as  mulheres? Perguntas são estas de embaraçosa resposta, é certo, mas que não estão fora de possíveis conjeturas." SIR THOMAS BROWNE
Lendo-o agora, quando diz "[Pela mesma razão]...fecho incondicionalmente com a Rosa Vermelha: a liberdade é sempre a liberdade para o que pensa diferente. É liberdade de crítica.", tenho a sensação de que não gostaria que tivéssemos chegado a discutir sobre a liberdade no sentido, certamente o mesmo de Rosa, que dá a ela acima. Quer dizer, no sentido de liberdade de crítica, liberdade para criticar. Digo que não gostaria porque vejo então que nossa discussão, quanto a isso, era primária. Afinal, porque será que deveríamos discutir sobre algo tão certo, tão básico e fundamental das relações humanas que é o fato, indiscutível, de que devemos ter, no mínimo e em qualquer lugar da vida, liberdade para criticar? Essa á a condição mínima da qual parte toda relação, senão o que temos é um monólogo e não um diálogo. Eu sei que o ato de pensar é sempre particular, articula suas tramas e conclusões sem a presença de um contraponto externo e que quanto a isso não há nada a fazer, essa é apenas mais uma das tantas limitações das relações humanas, só mais uma contribuição às nossas mútuas palavras incompreendidas. Só nos resta mesmo aceitar que cada um pense o que bem quiser. Aceito o fato assim, paciência a todos nós.
Sua utilização do termo liberdade foi como 'autorização', 'permissão', mas meus termos eram outros, ainda que a discussão, por essa via, não fosse tão fácil. Essa liberdade, como a concebi para mediar as diferenças, é aquela com presença estrutural nos pontos que esbarram na fronteira dos riscos. Segundo Kundera, "são precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência". Essa liberdade pode levantar, sem dúvida, perguntas de embaraçosas respostas, mas não está e não pode estar excluída de toda conjectura.
Rosa Luxemburgo e a liberdade. Creio que sua afirmação de que "qualquer um pode utilizar expressões como cortina de ferro e socialismo real, sem problemas" está de acordo como emprega o sentido da palavra liberdade. Porém, para estar mais de acordo com suas assertivas sobre a linguagem e sua estrutura, a forma "qualquer um pode utilizar expressões como cortina de ferro e socialismo real, mas não sem problemas" seria mais adequada. Se minha crítica brota das instâncias do pensamento livre de mordaças, e se isso é, como pretensão e como só poderia ser, uma verdade relativa, é porque não me oponho à crítica como princípio fundamental de qualquer um que reinvidique a liberdade, coisa radicalmente diferente de um pensamento que produz colocações como “o acordo categórico com o ser é o arranjo estético-filosófico das épocas reacionárias”; "pensar que todas as organizações políticas criam o kitsch é desarmar a luta de classes”; “como não existe transformação social sem organização política, rechaçar esta significa inviabilizar aquela”, ou ainda “ Sabina será sempre um ser incompleto, porque a maior traição à ordem, a revolução, não lhe é acessível nem como possibilidade, já que ela rechaça partidos e movimentos políticos". Todos esses pensamentos têm, em sua formulação, afirmações categóricas e absolutas que encerram em si a questão, não permitem desacordo porque são premissas. Por isso indaguei, sem entender direito, como podia reinvidicar a máxima de Rosa, de que "a liberdade é sempre liberdade para o que pensa diferente". Não há, nas formulações reproduzidas acima, o mínimo espaço para isso. O acordo categórico com o ser é atributo exclusivo da direita; qualquer pensamento que desarme a luta de classes é indistintamente banido, ainda que antes entendido como produto da direita; qualquer pensamento que exista no sentido de inviabilizar a organização política é indistintamente banido, ainda que antes entendido como produto da direita; Sabina, então, pobre diabo...tem uma única chance de ser um ser completo: aceitar os partidos e movimentos políticos, meios únicos e exclusivos para uma totalidade do ser, se é que essa é possível. É um mecanismo idealista e opressor o que aspira ao todo e não concebe, ao menos e no mínimo, qualquer possibilidade, para o bem e para o mal, fora dele. Jesus dizia que ninguém chegava ao pai senão através dele. O Papa também. No mundo dado, o homem começa a se construir pela dúvida e pela recusa, essa lição a esquerda também ensinou um dia qualquer.

A liberdade para o que pensa diferente precisa estar contida, entranhada no próprio pensamento e sua expressão, a linguagem, como simbiose, não pode ser confundida com a mera permissão para se pensar diferente, como se detivéssemos o direito de concessão. Ou seja, precisa ser entendida como conceito, não como objeto de que se dispõe. Por essa razão não está em minhas mãos o poder ou o direito de censurá-lo ou autorizá-lo a fazer qualquer crítica, essa autorização, existindo como tal, precisa estar formulada como princípio em qualquer pensamento. Claro, pode-se argumentar que infelizmente é assim, falar dessa constatação de que cada um pensa como quer, desde que não impeça o outro de pensar também o que quiser. Mas se é assim, se nós, quando pensamos, excluímos naturalmente conclusões distintas a esse pensamento, impedindo uma possível relativização, é preciso então relativizar o próprio sentido da palavra liberdade. O mote de que a liberdade é sempre liberdade para o que pensa diferente, travestido de apanágio universal da liberdade, torna-se, no fundo, uma pseudo-liberdade, pois como liberdade de fato é letra morta desde o momento em que é banida da concepção, da fundamentação e das bases do pensamento, e desde que se arvora em dona do direito de concessão e, portanto e além, de dona da verdade. O que ela diz publicamente: "você pode pensar o que quiser como quiser". O que ela diz em particular: "desde que esse pensamento não relativize ou enfraqueça minha razão". É como o 'Poder Moderador'. Quer dizer, estabelece condições antes de mais nada. É como se você tivesse em suas mãos algo como os 10 Mandamentos, os dispusesse à humanidade como sua tábua de salvação, lhes desse o livre-arbítreo para segui-los ou não, mas, àqueles que não os seguissem, reservasse o inferno de Dante. Próprio dos deuses, não? Calha aqui uma velha máxima de Machado de Assis, que pergunta, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, "Quem não sabe que ao pé de cada bandeira pública, ostensiva, há muitas vezes outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não raras vezes sobrevivem?". Esse é o mesmo caso da linguagem a que você se referiu, quando Huxley disse que a manipulação está mais na verdade omitida do que na mentira contada. Segundo Barthes, Jacobson mostrou que um idioma se define menos pelo que ele permite dizer do que por aquilo que ele obriga a dizer. Barthes disse que a linguagem é fascista. 

Eu não diria dessa forma, mas, como você mesmo disse, "...é cômoda a postura que se exime da responsabilidade por sua própria linguagem. Não há maneira de não tomar partido, nossa linguagem já nos posiciona, especialmente se conhecemos seu conteúdo ideológico." O que há aqui, então -e me permita usar um termo contra o qual pode haver algum atrito, mas que não deixa, a meu ver, de ter relação, não com você, mas com os valores que se insinuam pelo subsolo de seu pensamento (e linguagem)-, são os eflúvios do tão decantado Livre-Arbítreo, cláusula pétrea da liberdade de ditadores. Porque a liberdade precisa estar manifesta no ato da concepção, e onde há liberdade permitida não pode haver liberdade de fato.

Desse ponto de vista, a expressão cortina de ferro, muito antes de esconder as imundícies da democracia burguesa e do capitalismo (as quais de fato camufla, como expressão pejorativa), expõe a mesma verdade: é a mesma expressão parcial do que se tem para si como verdade. Para os donos dessa expressão, não se pode falar em liberdade total, que relativize o valor de sua expressão, ela é a única verdade, é a própria totalidade.  
A esquerda, quando fala em linguagem, deveria há muito ter mudado a sua, ter dado o ar da graça virginal de uma nova linguagem, expressão de um novo corpo, de uma nova vida, ao mesmo tempo anunciação do abandono de velhas e malfadadas práticas e expressão de uma nova possibilidade. Se a máxima de Marx de que "o critério da verdade é a prática" é pertinente, a expressão "fortalecer a democracia operária e seus mecanismos" não faz sentido há muito tempo, pois não corresponde mais a uma verdade, não a traz inscrita, ou efetivada, em sua experiência histórica, em sua práxis. Se mudamos a prática precisamos mudar o discurso, "dilacerado até o cansaço". Se o uso de máximas assim são só puramente presentes no discurso da dita esquerda degenerada, essa é, então, para usar outra expressão de Roland Barthes, "a última astúcia da história". Porque sabemos que o uso é deliberadamente amplo, o que permite a nossa confusão ao tentar delimitar o começo e o fim de uma degeneração. Perceber o mesmo discurso presente em nós mesmos levanta algum indício e nos sugere uma pista de por onde começar ou onde deveremos acabar.                                                                                   
Ainda de acordo com a afirmação de Roland Barthes, de que "sem dúvida ensinar, falar simplesmente, fora de toda sanção institucional, não constitui uma atividade que seja, por direito, pura de qualquer poder. O poder, a libido dominante, aí está emboscado em todo e qualquer discurso, mesmo quando este parte de um lugar fora do poder...[...]chamo 'discurso de poder' todo discurso que engendra o erro, e por conseguinte a culpabilidade daquele que o recebe[...]", a questão é complexa, pois isso inclui, naturalmente, todo e qualquer discurso, e evidencia o quanto é difícil identificar a que interesse obedece a mensagem, se ao declarado abertamente no sentido do que verbaliza ou ao que ele contém mas não declara. Em sua seguinte citação, "o método dialético ensina que azul e verde são cores diferentes, mas que há matizes intermediários em que é difícil determinar onde acaba o azul e começa o verde. Utilizemos o mesmo exemplo colocando revolucionário e reacionário no lugar das cores. É difícil definir em que ponto aquele se transforma neste. A despreocupação com o uso ideológico da linguagem é um indício", não é o caso de se haver ou não um sentido obscuro nas entrelinhas que lhe escape, mas o contrário: de que o sentido claro e objetivo enquadra e assim acaba por trair seu autor.
A expressão socialismo real, como não poderia deixar de ser, padece do mesmo mal. Você tem só meia razão quando diz que é uma expressão que estabelece os regimes degenerados do leste europeu como limite insuperável e que o socialismo de Marx e tantos outros nada têm a ver com isso. O que eu acho que não percebe, talvez devido à sua forma de pensar a liberdade, é que, por ser uma expressão utilizada pelas burocracias de esquerda e generalizada em meios reacionários, estabelece-se, por parte da esquerda, uma rejeição automática de todo o sentido do termo e da consequente responsabilidade por isso. Porém, se você tem razão ao citar a responsabilidade por uso de determinadas expressões da linguagem, irá entender a responsabilidade existente pelas consequências da rejeição total do sentido de determinadas expressões. Por exemplo, a aceitação do fato de que a expressão socialismo real, sentido parcial de significado embutido na estrutura da linguagem, tem sua contraparte real numa mínima relação com grandes verdades históricas: as experiências históricas concretas das esquerdas no século XX. O hábito de qualificar como "degeneradas" com aparente facilidade as experiências das esquerdas que fugiram das definições de Marx e tantos outros, encobre, por consequência, as relações dessas experiências com suas próprias contradições. Como se fosse possível, antes de tudo, haver uma 'esquera pura' e uma 'esquerda degenerada' absolutamente separados. Ora, a esquerda degenerada surge de onde, senão da própria esquerda? Ampliando a questão: adota-se uma postura extremamente perigosa ao se pensar numa revolução, ou processo revolucionário, pura, separado da violência e da burocracia como imanências, se está sempre num meio-fio...se, por um lado, ajuda a estabelecer uma linha de conduta que o distingua de outro que tenha  a conveniência, a burocracia, a violência e o assassinato como normas, por outro o aproxima de um estado tal de crença na verdade dessa separação, absolutamente falsa, que o deixa livre para justificar qualquer ato em seu nome. Do ato mais sublime ao ato mais bárbaro, as fronteiras desabam sob o peso das certezas. Falarei da ambiguidade desses dois conceitos de Kundera. Lembremos novamente, como relata Kundera, o fato de alguns agentes do Estado Tcheco pleitearem a isenção de responsabilidade na repressão, violência e assassinatos cometidos pelo Estado sob a alegação de não saber que tais fatos ocorriam. Eles certamente acreditaram que o kitsch e o acordo categórico com o ser eram fenômenos exclusivos da direita, e isso eliminou de diante de seus olhos a barbaridade perpetrada e garantida pela certeza maniqueísta de que o mal é culpa do outro. Camus disse que se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo.
Convém dizer que os "socialistas puros", termo que uso para designar os socialistas de ideal humanista inegociável, foram quase sempre as primeiras vítimas da burocracia, da esquerda degenerada de ocasião surgida através das conveniências e, naturalmente, sempre mais forte. O porque dessa 'esquerda degenerada' ter sido sempre mais forte é um ponto de partida para ajudar a entender essa postura perigosa.

Direita e Esquerda
Penso ter sido claro sobre a questão do que chamou de 3ª Trincheira para se referir àqueles que eu indentifiquei como não sendo de direita nem de esquerda, mas insistirei para tentar fazer-me mais claro.
A explanação que faz para falar da redutibilidade de tudo, ao fim e ao cabo, aos valores definidos pelo binômio esquerda-direita, não nega meu argumento para afirmar a tal 3ª posição. Justamente porque meu argumento não negou, desde meu segundo texto, esse provável fato. O que neguei é que isso tenha qualquer valor para uma definição, 'enquadramento' e julgamento moral. Não sei porque se insiste tanto em  termos como "funcional da direita", ou idéias do gênero, que é o sentido consequente, para a esquerda, da divisão inexorável esquerda-direita. Todos os movimentos organizados de esquerda, todos eles, existem sob a mesma realidade cindida pela propriedade privada. Para existirem, estabelecem a mesma relação com a vida que todo mundo: são trabalhadores e consumidores. Estamos então diante de um paradoxo: as forças organizadas que combatem o capital precisam dele para existir. Até aí tudo bem, será esta talvez sua maior contradição, mas não será a primeira e nem a última. Mas se é assim, como se arrogam o direito de proferir qualquer julgamento moral sobre quem se encontra sob a mesma condição? Marx disse, sobre a religião, que ésta é ao mesmo tempo expressão da miséria humana e um grito de protesto contra ela. A pergunta quase imediata que surge é se a esquerda que grita contra o mundo e ao mesmo tempo o sustenta é também expressão da miséria humana. Calma, essa miséria de certa parte da esquerda não é sua moral, sua justa recusa de um mundo simulado, injusto, decadente e violento, mas sua condição contraditória inevitável. Se o sujeito se coloca numa posição de recusa da condição social e dos valores estabelecidos, a direita o enquadra como um subversivo de esquerda. Se o mesmo sujeito, ao mesmo tempo, ataca determinados postulados do cânone da esquerda, esta o qualifica como reacionário de direita. Bom, está claro, ou deveria estar, que sua crítica se dirije aos dois lados, portanto não está de acordo com nenhum deles. A natureza de sua crítica e de sua recusa o exclui da direita e o exclui da esquerda. Azar o dele, será enclausurado numa definição-negação e perseguido por todos, não terá asilo até o purgatório. Podemos citar, entre outros exemplos, Ernesto Sábato e Albert Camus. É sintomático que homens como esses tenham sido tomados como inimigos comuns simultaneamente pela esquerda e pela direita.
Se amparar no fato, verdadeiro, de que ninguém, absolutamente, existe fora de uma realidade dividida, portanto e antes de tudo forçosamente de um lado, para a partir daí legislar e proferir julgamentos, é injusto, chega a ser um escândalo, sobretudo quando o juiz está na mesma condição. Parece ser o mesmo raciocínio de alguém que persegue judeus porque esses são judeus. Essa discussão não nos importa agora, apenas seu mecanismo: é um raciocínio que ignora escandalosamente ser essa uma condição não escolhida, portanto inimputável como tal. Por esse critério, os nazistas deveriam ter eliminado nas câmaras de gás, inclusive, os sionistas que os ajudaram a perseguir e expulsar judeus, o que, por conveniência (na verdade pelo abandono temporário de seu bizarro critério), não ocorreu. Mas então diz esse judeu: "eu não sou judeu porque quero ser", e diz seu perseguidor: "então abjure de sua condição", e o judeu: "como eu posso fazer isso?", o perseguidor: "somente acatando nossos argumentos, nossos valores e todo nosso ponto de vista sobre a história". Quer dizer, é inaceitável. O único com autoridade para proceder de tal forma é, até hoje, um só: Deus. Mas qualquer um com a superioridade da força, não necessariamente da razão, também.
Aqui se abre um possível contra-argumento: o homem é o que faz, não o que pensa ou o que diz que é. Mas se os julgamos a partir do que fazem para saber o que são, esse critério só os alcança naquilo que são por motivo de força maior, jamais o que são por suas razões, por sua recusa, por tudo aquilo que não querem ser. Para tanto, tal critério precisaria subverter o próprio critério. É só por essa razão que a esquerda pode ser esquerda mesmo estando, como fato, como sua condição de sobrevivência, a serviço da reprodução e manutenção do capital. O critério que ela usa para negá-lo é sua razão, seus justos e concretos motivos de recusa; e tudo o que ela faz como condição para existir, sua prisão e traição. Aí temos, então, o sábio ditado popular: dois pesos, duas medidas. Para fazer-me à esquerda, o único critério que me define é minha recusa; para julgar o resto do mundo, o critério é sua condição inevitável. Mas a me trair, a me colocar à direita, minha eterna condição de sobrevivência sob o capital: trabalhar e consumir, manter o status quo. Devo me perguntar qual, de fato, nos define?
A meu ver, sua forma absolutista de compreender essa questão, de que não há forma de se estar fora da direita ou esquerda (para a esquerda: ser de direita usualmente significa, entre coisas como deter os meios de produção, criticar certos postulados e fundamentos da esquerda, porque isso é apenas dar munição para a direita; para a direita: ser de esquerda usualmente significa, entre outras coisas, criticar o status quo, por que isso é apenas dar munição para a esquerda) ajuda a entender, claro, porque carimba a qualquer um, sem apelação, com os adjetivos "direita" ou "esquerda". Não importa, para nenhum dos lados, que as críticas do sujeito possam ser verdadeiras, direita e esquerda não enxergam nenhum problema que seja deles como fato. Para a esquerda, na natureza de seu corpo o Calcanhar de Aquiles está no pé direito. Amputa-se este e elimina-se o problema. Ela só esquece que ficará manca, pois este problema era seu.
Se uma crítica à esquerda tem valor de uso para a direita isso não pode, absolutamente, enquadrar necessariamente o autor da crítica na 'direita', esse critério é político, jamais legítimo. Um critério como esse, além de deslegitimar a dimensão política do homem (porque este serve, antes de mais nada, para seu degredo), estabelece os limites de uma esquerda arrogante, absolutista, culpabilizante, reacionária, chantagista, totalitária e degenerada. Não pode ser aceito em nenhum espaço em que viva o ideal de emancipação do homem, sob pena do fracasso. Um dos fatos que correm como razão para a morte de Bukárin diz que ele ousou afirmar que a opressão do estado soviético sobre o povo poderia afrouxar suas garras pois o inimigo já havia sido derrotado; Stalin lhe respondeu que um estado de coisas precisa se elevar até ser superado pelo esgotamento total de suas forças. Recrudesceu o aparato repressivo do estado para levá-lo a esse esgotamento (e sua vida toda não foi suficiente) e mandou fuzilar Bukarin.
Para essa esquerda não há o horizonte legítimo do homem existencialista, aqui daqueles que têm, para eles mesmos, como falsas ou enganosas as pretensões de salvação e julgam a condição humana pela agonia do mundo. Não, para essa esquerda esse homem é da direita. Nessa hora ela parece se esquecer que o ideal da direita como ela a enxerga, donas dos meios de produção, é o do homem consumidor, apegado aos valores da vida, com fé no futuro e no homem. Aquele homem existencialista é, para essa esquerda, talvez a degenerada, unicamente expressão da tentativa filosófica da direita de destruir pretensões revolucionárias no homem, esforço estertórico desta para evitar sua negação. Isso acontece porque esse bizarro ponto de vista produz na esquerda e na direita um efeito ambíguo, da mesma natureza da ambiguidade que os separa e os une: esse homem é ao mesmo tempo celebrado e odiado pelos dois. Quando a direita o adora, ela diz: "ótimo, esse homem produz pensamentos que só enfraquecem as pretensões da esquerda"; quando ela o odeia, diz: "esse homem produz pensamentos que enfraquecem a organização social e nossos valores". Quando a esquerda o adora, diz: "esse homem produz pensamentos que vão diretamente contra os valores tão declamados pelo status quo da direita"; quando ela o odeia, diz: "esse homem produz pensamentos e críticas à emancipação do homem como desejamos". Quer dizer, a esquerda odeia esse homem pelos motivos pelos quais a direita o ama; a direita o odeia pelos motivos pelos quais a esquerda o ama. Ambos se traem assim deixando-nos entrever a posição de um homem sem lugar nas fileiras da esquerda e da direita. Porque o lugar que ele tem é por ele negado, e o lugar que ele quer não tem em lugar nenhum.
Assim, essa vertente da esquerda enxerga sempre como causa o que é um efeito, pois seu critério, bizarro, é unicamente político, as motivações dos homens são inexoravelmente políticas. Esse é um critério bizarro, porém ainda é um  critério. De seleção e ao mesmo tempo de auto-definição.
É o caso de Camus-Sartre. O problema é associar o anticomunismo de Camus (como Sartre o via) como posição exclusiva da direita (e ainda teríamos de nos perguntar qual, naquela época, era a referência de Sartre de comunismo). Como se só fosse possível recusar a esquerda pela direita e vice-versa.
Para um julgamento que tenha por fim nos definir, importa menos em que campo da contenda nossas recusas nos colocarão (nossa condição, limitação) do que os motivos pelos quais nossa recusa nos levou a ela, que não são, em canto algum, propriedade da direita. A esquerda que assim procede age como o critério único e definidor a partir do qual se percebe e se julga a vida e o mundo, tal e qual Deus e as religiões: a medida de todas as coisas. O homem, ao nascer, está naturalmente e infalivelmente à direita, portanto nasce culpado, portador de uma espécie de pecado original. Durante sua existência, aprende que tem salvação e é agora portator do pecado ou da redenção. É dado a ele a esperança de sair do pecado e da alienação desde que entenda sua condição e aceite os pressupostos para ser redimido. Não deve enfraquecer ou desistir e não deve, sob nenhuma circunstância, apontar aquilo que vê como equívoco, engano ou erro dos pressupostos que é obrigado a aceitar, pois isso é visto exclusivamente como interferência do inimigo e capitulação à seu discreto charme. Ao incorrer num desses pecados, o homem perde sua única chance de ser completo. Se acaso ousar recusar o que lhe foi dado como ultimato (porque é então uma exigência moral sobre sua consciência), todos os adjetivos possíveis nos quais indiciá-lo serão insuficientes: fraco, capitulado, alienado, perdido, reacionário, proscrito, etc, e seu castigo será o opróbrio e a perseguição. A culpa volta a lhe atormentar o coração, e o deus secular a lhe bradar: "lhe é mais honroso o suicídio que aceitar uma vida fora da salvação". Infelizmente, esse Deus nega que o suicídio seja uma recusa também a ele, já que esse último ato da última cena é o imperativo categórico de todo suicida. Assim, esse Deus secular lança indistintamente ao mundo e à todos que ousem negar seu cânone o anátema da maldição. Como qualificar tal comportamento, que só aceita a razão em si e concebe o mundo tal qual Deus?
O fato de você dizer que "Da mesma forma que há matizes intermediários entre o verde o azul, também há entre Sartre e Camus. Como no samba do Paulinho, a razão está sempre com os dois lados. E aqui não interessa saber quem estava mais correto. A questão é outra. Citei a polêmica de Sartre e Camus para mostrar que ambos acabaram se aproximando das trincheiras que a princípio rechaçavam: anticomunistas (Camus) e comunistas (Sartre)"  não esclarece a questão, quer dizer, não traz nada de novo, só confirma o que eu disse. Camus se aproxima da trincheira que antes rechaçava, mas em quê isso é relevante? Aproximar-se da direita, como estamos discutindo, é o 'ser de direita', caso contrário nem estaríamos nos batendo com isso. Mas 'aproximar' não é a mesma coisa que 'ser' e não significa absolutamente nada em si mesmo. A pergunta, que permanece, é se ele o faz como homem da direita, ou se isso o faz necessariamente um homem de direita ou reacionário. O fato de Camus, por suas conclusões, se aproximar dos anticomunistas (e se isso serve de sinônimo para 'direitistas', pobres anarquistas), por si só, isoladamente, não significa nada, inclusive porque os desdobramentos de seu pensamento podem ter dado a ele a idéia de que já não fazia mais sentido essa definição tal como ele a concebia. Pequena digressão: se a razão está sempre com os dois lados, e se a posição de Camus em relação a Sartre o aproxima dos anticomunistas, e se isso serve para exemplificar uma conversão de Camus à direita, a direita também tem razão?
Dessa forma, reduzindo todo o problema unicamente a uma questão de matizes que levam inexoravelmente a um e a outro lado, você endossa que para se negar a esquerda, sob todos os aspectos, só é possível pela direita e vice-versa. Essa idéia tem apenas sentido parcial que quando tomado como total, como idéia a ser defendida, como tese, leva a um pensamento que reafirma ser reacionário todo aquele que profere qualquer pensamento que caia como uma luva para a direita. Chamo isso de apologético porque é esse pensamento, essa auto-deificação que está por trás de todos os argumentos reclamados para justificar indistintamente a perseguição, pela esquerda, de todos quantos se opuseram a ela de alguma forma ou por algum motivo. Ela é a medida de todas as coisas, o ponto de partida. Não há no mundo crítica capaz de abalá-la, ela é a própria crítica. Não é difícil perceber o quanto isso guarda de relação com a degeneração das esquerdas, e de como isso prova, se é que isso algum dia foi preciso, que uma nasce da outra, uma engendra a outra. A expressão máxima dessa concepção encontramos em figuras como Abimael Guzman, Pol Pot, Stalin e seus epígonos. Enquanto essa tendência auto-deificante e anti-dialética não for banida será assim. Esse argumento está presente em seu texto, mas se puder me confirme de modo afirmativo se é isso mesmo o que pensa, e, se for, não deve estranhar jamais a qualificação pejorativa que usei um pouco mais acima para designar parte da esquerda. E, desse modo, caso confirme afirmativamente, será problema bem menor para mim, ou nem será, que use termos como 'reacionário' ou 'direita' para qualificar a natureza de certas críticas minhas.
Dizer que "homens do porte de Sartre e Camus não conseguiram erguer barricadas independentes, foram atraídos pelas forças em luta" não é exato. Sartre seguiu seu caminho com consciência, não foi atraído para canto algum, ao menos à sua revelia. No caso de Camus as forças em luta é que se apropriaram, em dado momento e à sua revelia, de seus pensamentos. A direita, por conveniência; a esquerda, para atacá-lo. Olivier Todd, escritor e biógrafo de Camus, diz que Camus dizia ser até a morte um homem de esquerda, mas foi perseguido por não aceitar as atrocidades dos regimes comunistas. Deu então alguma razão a Kundera quando este disse que "Os arquivos da policia são nosso único passaporte para a imortalidade".

O Mea Culpa de Tomas, A Ambiguidade dos Conceitos, O Amor e o Ideal
Sobre Tomas e sua recusa. Você diz "não imagino um homem indiferente entre assinar ou não, isto sim é uma recusa metafísica à vida real. Se assinar ou não uma retração [sic]não carrega em si nenhum valor, caminhamos pelas trilhas torturantes da insuportável leveza do ser: capitular ou não, torturar ou não, trair ou não, sovietes ou fascismo... tanto faz!". Bem, me parece que por um momento você entendeu que a "torturante" natureza da insuportável leveza do ser não é um levitar tranquilo sobre o campo das definições. Ela é torturante porque coloca sobre os nossos ombros o fardo da existência, o ser ou não ser. Nela, na 'insustentável leveza', uma escolha começa e termina em nós. A sua recusa metafísica à vida real, como qualifiquei sua crítica, ou recusa à "...possibilidade de decidir não tomar parte de nenhum lugar na minha existência social, além do que sou, por fatalidade ou por natalidade, obrigado a estar antes da minha consciência” se manifesta quando você concebe uma recusa à opressão unicamente fora de um estado de leveza. A religião é ao mesmo tempo expressão da miséria humana e um grito de protesto contra ela. É o caso de Sabina, sobre quem se abateu o drama da insustentável leveza do ser: recusa o kitsch e é vítima dele. O titubear de Tomas em relação a seu artigo sobre Édipo, caso que transcrevo mais abaixo, e sua recusa em assinar uma petição para a libertação de presos políticos por razões objetivas, mas acima de tudo por razões pessoais, a de preservar Tereza, seu grande amor, e resguardá-la da polícia, guardam com a indiferença uma relação bem íntima. Suas atitudes nesses episódios e o reconhecimento do acaso de Tereza em sua vida, seu amor e sua razão, revelam um homem sem a certeza necessária acerca das coisas da vida, um homem cujos atos parecem acontecer a partir de suas dúvidas. O que é dito e feito hoje pode ser desdito e desfeito amanhã, com a mesma verdade. O que define esse homem não é o que ele faz, mas o 'porque faz'. Eu disse antes que "um homem assim não se faz pelos atos mas por estado de espírito." Homens assim não são uma recusa metafísica à vida real, são expressão da vida real. Por isso "assinar ou não, em princípio, tanto faz, não carrega em si nenhum valor, casual na vida como na morte". Esse valor ou a ausência dele reside antes no sujeito que no objeto, por isso ele mesmo, Tomas, relativiza o valor de seu artigo sobre Édipo e se nega a assinar a petição em nome de seu exclusivo amor por Tereza, sem dar explicações. Interessante. Não dar explicações não significa que "não há explicação".
Você tem razão: leveza é algo que confere ausência de sentido e sentimento de absurdidade, esvaziamento de razão, fundamento... a insuportável leveza, mais cruel dos fardos. Mas entender a leveza através da fórmula Capitular ou não, torturar ou não, trair ou não, sovietes ou fascismo... tanto faz! não é a melhor forma pois apresenta a questão de forma reduzida a uma dicotomia do bem e do mal, do certo e do errado, bem distintos um do outro. Se a leveza não incluísse todas essas possibilidades não seria insustentável, nem insuportável. Ocorre que nela essas noções se confundem e os valores se anulam, porém essas são possibilidades abertas pelas relações estabelecidas pela vida com o ser distante de um mundo inequívoco, definido, dicotômico, e perto de um mundo desubstancializado, órfão de referências, sem garantias e com o passado da história nada orgulhoso. Não é por outra razão que este ser está sempre à beira do precipício e do suicídio. Yakov se matou, Ciddartha abandonou sua vida dissimulada. Até valores como esses são para ele, que sabe da merda, da imundície e de todas as pequenas misérias da condição humana que justificam as grandes crueldades, mutuamente justificados. Só existem para se justificar. Nenhuma delas, absolutamente, brota necessariamente fora da insustentável leveza do ser. Podem ser recusáveis, mas jamais inconcebíveis.
 Mersault matou um cidadão árabe por nada. A moral e a ética, "colunas mestras da opinião", apesar de servirem a deus e ao diabo, olhavam para ele com 'ar de reprovação' por se portar com indiferença até quando da morte de sua mãe. Mas era, enfim, um estrangeiro. Estava fora do limite regulador e normativo que permite uma vida normal, sempre uma média, um estofo anestesiado que por hábito chamavam vida. Para a insustentável leveza do ser tudo tem a mesma importância: nenhuma. Deus e o diabo têm a mesma razão. Também iguala o mais nobre dos dramas ao mais trivial dos acontecimentos, e eis aqui o que não captou: esse tanto faz ocorre pela negação ou relativização do valor, não por sua afirmação. Se tudo tem a mesma e absoluta importância, nenhuma, soviets ou fascismo, tanto faz...então nenhum. Conforme você disse, "No reino da leveza total a palavra de um homem e sua carreira profissional têm exatamente o mesmo valor, ou melhor, ambas não têm nenhum valor." Seria esse o caso de Tomas com relação a seu artigo, os presos políticos e Tereza? A contraparte dessa idéia, porém, é a de que no reino do peso total a carreira profissional pode valer mais, como normalmente vale. Não foi o caso de Tomas, em quem Kundera soube expressar a vida de um homem preso que quer ser livre, ou pesado que quer ser leve. Suas escolhas se dão menos por convicção que por um sentimento de constante incerteza. Bem...se diante de tais escolhas, nenhuma, afirmamos algum valor. Adiante falarei dessa ambiguidade entre peso e leveza, torturante tarefa.                                        
Você diria que, ao tomar determinada decisão, o indivíduo afirma seu valor, ou seja, aquilo que para ele tem valor maior. Não sei se é assim, afinal, se tanto faz, qualquer decisão tem o mesmo valor. E o valor, seja qual for a forma como o concebemos, mais que produto de uma decisão de princípios pré-determinados, pode se encontrar em fatos e lugares insuspeitos, como em Yakov. Bem e mal nunca se apresentam desmascarados, uma escolha não se dá nesses termos.
Como noções, elas mesmas, de valor relativo, onde a leveza está no peso e onde o peso está na leveza? No peso, o valor é reconhecido pelo ser como uma requisição exterior, nossa tomada de posição se deve ao engajamento, às demandas da vida, uma resposta à determinada situação apresentada, e eis o sentido da vida. Dessa perspectiva, podemos reconhecer a leveza, na sua perspectiva anterior, levitar tranquilo, como responsabilidade dividida com a necessidade exigida, pois subtrai de nossos ombros o peso total de uma possível culpa; Na leveza, o peso consiste em que tudo tem valor apenas relativo, é necessário assumir a responsabilidade total pela escolha. Eis a ausência de sentido, o drama, por isso o peso da leveza. A pergunta, inevitável e que se auto-sugere, é: a escolha que parte da leveza tem maior valor, em termos absolutamente discutíveis, que a que parte do peso? Depende. Se a escolha pelo peso se dá pela exclusão da presença dos aspectos, digamos, "maus", ou da merda, de todas as possibilidades da condição humana, revelados pela leveza, esses não são anulados, mas mascarados. Por isso os riscos da "merda" são minimizados e o kitsch se insinua de forma escandalosa e discreta ao mesmo tempo. Diante da leveza, porém, com todos os riscos manifestos através da relatividade e dubiedade com que se apresentam, a responsabilidade é integralmente do ser. O fardo, consideravelmente maior, por isso caminhamos por trilhas torturantes, o vazio da indiferença é mais cruel do que peso de escolha. Pensar que na leveza "De longe é tudo mais fácil" não condiz com o peso desse fardo. É preciso não negar a merda na condição humana, presente sempre onde não queremos ver, enfim aceitá-la para não permitir uma recusa metafísica à vida real. A vida real se faz de homens leves e pesados e de todos os horizontes possíveis, inclusive do homem absurdo, aquele para quem conceber a insignificância de tudo nunca significou necessariamente abraçar a merda. Pensasse ele assim e poderia excluir a merda de toda possibilidade, abrindo dessa forma o necessário espaço para o kitsch e sua idealização da vida, abandonando, inclusive, sua crítica à esquerda. Ele sabe que o kitsch, idealizador, nunca se apresenta de cara limpa, sempre falsifica a realidade, essa é sua condição de existência. Ele surge justamente quando pensamos que o excluímos e essa é a razão para a história tê-lo apresentado inclusive sob os regimes socialistas do século XX. Logo, pensar que da leveza não se assume consequências não faz o menor sentido. Ela é a própria consequência, é um estado que se atinge, como você compreendeu. Mas houve, portanto, um caminho percorrido. Entendendo peso e leveza como estados diante da vida, no peso o que se entende por valor maior é uma vida vivida de forma plena, intensa de sentido, uma vida participada, engajada, sem espaços vazios, concebe-se a liberdade a partir da vida, a liberdade só faz sentido para a vida. Na leveza, as razões e condições da vida se sujeitam à noção de liberdade. Viver não significa ser livre pois a liberdade é concessão dada mediante sacrifícios exigidos do corpo, da mente, da consciência, da razão, da presença do outro e de toda limitação. Viver é função, não é sentido; vida não é condição plena, vida e liberdade estão na contramão. Pensar a vida a partir da leveza é de longe mais difícil. Kundera: "Procuramos sempre o peso das responsabilidades, quando o que na verdade almejamos é a leveza da liberdade" ou "Cada um ali vive intensamente sua vida, lhe dá um peso que equivale à imagem que fazem de si e as suas expectativas sobre os outros. Cada um ali se defronta com a leveza quando se despem disso, e suas vidas se tornam então insuportáveis." Desnecessário dizer que o preço da leveza e da liberdade é o vazio. "Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes."
Se se puder formular a equação em termos um tanto quanto grosseiros seria algo do tipo: "Queremos a liberdade? Temos de levar junto o vazio. Queremos o peso? Saibamos abrir mão da liberdade."
"O drama de uma vida pode sempre ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? nada. Deixara um homem porque quis deixá-lo. Ele a perseguira depois disso? Quis vingar-se? não. Seu drama não era de peso, mais [sic] de leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser." - Kundera
Você diz que, por alguma razão, não consegue imaginar Tomas capitulando. Mas há algum indício qualquer dessa capitulação de Tomas em relação a seu famoso artigo sobre Édipo quando este, mais adiante, diria ao filho e ao jornalista que insistiam, lhe cobrando certa coerência, para que assinasse uma petição pela libertação dos presos políticos: "Sabe, tudo isso não passa de um mal-entendido. A fronteira entre o bem e o mal é muito fluida. Não estava reclamando o castigo de ninguém, não era esse meu objetivo. Castigar alguém que não sabe o que faz é uma coisa bárbara. O mito de Édipo é um belo mito, mas usá-lo dessa maneira..." Tomas faz aqui, em particular, como esclarece o narrador, o que a polícia política antes lhe exigia que fizesse em público: nega seu artigo sobre Édipo. Mas negar em público o que admite em particular não é, para Tomas, uma espécie de covardia moral. Vejo em Tomas um personagem sincero (um breve parênteses para quem pensa como meras mentiras as traições de Tomas à Tereza), que expõe, junto a outros detalhes de sua personalidade, uma condição humana mutável, não porque volúvel; certos fatos, certas verdades podem não mudar, mas a relação do homem com esses fatos e verdades se altera o tempo todo. A razão para isso talvez seja o fato de a vida ser um eterno esboço, como argumenta Kundera, que vai mais longe e afirma que um esboço é sempre um esboço para alguma coisa, rascunho que precede o resultado final; a vida, porém, que não se repetirá, é um esboço para nada. "Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca."           
Numa das mais belas passagens sobre a misteriosa idéia do Eterno Retorno, de Nietzsche, Kundera a expõe de forma a ilustrar o caráter atenuante de uma vida vivida uma única vez, sem esboço que a anteceda e sem remissão."Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva na qual as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas nos aparecem sem a circunstância atenuante de sua fugacidade.
Essa circunstância atenuante nos impede, com efeito, de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia, inclusive a guilhotina. Não há muito tempo, eu mesmo fui dominado por este fato: parecia-me incrível, mas, folheando um livro sobre Hitler, fiquei emocionado diante de algumas de suas fotos; elas me lembravam o tempo de minha infância; eu a vivi durante a guerra; diversos membros de minha família foram mortos nos campos de concentração nazistas; mas o que era a morte deles diante dessa fotografia de Hitler que me lembrava um tempo passado da minha vida, um tempo que não voltaria mais? Essa reconciliação com Hitler trai a perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente perdido."
Vale dizer ainda que Tomas não assina a petição pela libertação dos presos políticos. Quando, sobre seu comentário de que todos sabem que essa petição não os libertará, ouve o filho dizer que isso não importa, importa é os donos do poder saberem que existem pessoas com coragem, que não desistirão, Tomas talvez vislumbre ali o embrião do kitsch, a base para o espetáculo. Não mais importa o motivo último que fora a razão e sustentação da petição, mas sim uma exibição de coragem e obstinação, secundária, mas que segue agora como a vanguarda da estética, da razão e do ideal. Foi mais ou menos assim que os cristãos conseguiram provar e impor o kitsch de sua fé ao mundo. Diante de tal fato, valores como ética, verdade, abnegação, etc, não têm mais relevância. O ideal recua e o mundo e a vida são reconstruídos a partir de outras premissas, mais possíveis, mais reais.

Pois é, Pra Quê
As colocações que faz sobre as experiências socialistas do século XX ilustram mais ou menos as questões que coloquei. A declaração de Lenin teve caráter ilustrativo, que para mim indica, em alguma medida, o enfraquecimento dos ideais da revolução diante das eternas contingências. Declarações de caráter autoritário como essas não são mesmo difíceis de se encontrar na história, muito pelo contrário.
Fundamentalmente, a questão filosófica ainda aberta não é o "por que?", as razões de nossa origem são desvendadas aos poucos, mas sim o "pra quê?". Navegar é preciso, viver não é preciso?
Os limites, tentativas e lições da história sobre isso tudo cansamos de discutir, não é...claro, pretensão absurda pensar que esgotamos tudo o que se tem pra falar, mas acho que nos apegamos a determinados indícios ou limitações para justificar o abandono ou não. Por isso que não acho, como nunca achei, que o kitsch é o novo limite. Apenas achei que não traria novidades relevantes discutir certas coisas já tão repisadas, mas talvez eu me engane. Falar do kitsch é só mais uma coisa, aliás, como disse antes, ele não é e nunca foi um obstáculo à revolução, é antes condição para ela. Não critiquei as organizações e movimentos políticos afirmando que só produzem o kitsch, mas sim afirmando que necessariamente dependem do kitsch e o produzem. Eu não acho que quem produz o kitsch necessariamente abraça e defende o kitsch, como você parece pensar sobre todos quanto à esquerda e direita. Não pretendi encerrar a análise nesse ponto, cheguei até onde nosso diálogo nos levou, e você deve lembrar como começou. Você não tinha uma postura tão aceitável ao kitsch de esquerda. Kundera, ao contrário, apontou que o kitsch, farsa grotesca e asséptica da vida, pelos caminhos mais vis (no sentido da estética feia e grosseira da vida), é efeito e condição necessária do acordo categórico com o ser presente em todos os movimentos e organizações como as religiões, os partidos e movimentos políticos, etc. Por isso o socialismo talvez não seja inviável via kitsch, a relação real é de duplo favor. O socialismo é viável pelo kitsch e o kitsch é viável pelo socialismo. Que o diga Sabina. A questão que traz, se é possível imaginar produção sem alienação e sob controle dos próprios trabalhadores? Ou o processo de divisão do trabalho é essencialmente alienante? pode ter, talvez, para essa última opção, algum indício de resposta no kitsch como fenômeno perene, ao menos como algum ponto de partida. Se aceitamos a questão que se coloca sobre se estamos diante de um processo essencialmente alienante, ainda que fenômeno histórico, a afirmação de Kundera de que a fraternidade entre todos os homens não poderá ter outra base senão o kitsch pode fazer, afinal, algum sentido.
Aqui uma explicação minha sobre sua crítica à despolitização de Kundera. Sua explicação anterior para a afirmação de que kundera despolitizava era a de que uma crítica às organizações e movimentos políticos como produtores do kitsch inviabilizavam a transformação social, ou seja, parecia acreditar que o kitsch inviabilizava a revolução e o socialismo, e não aceitava que uma crítica política profunda pode conter, em última instância, a possibilidade de“excluir o campo político das possibilidades”. Portanto o que critiquei foi justamente a natureza desse tipo de crítica, para mim unicamente ideológica quando deveria ser autotélica. A certa altura você se pergunta sobre a realidade material, base histórica, do kitsch. Mas o kitsch não é mais que (ou talvez seja mais que) produto ideológico e, como tal, nasce das contradições materias da sociedade. O que talvez interesse ser estudado é se o processo de divisão do trabalho é essencialmente alienante. Mesmo assim, abro mão de uma afirmação que enquadre e encerre o kitsch apenas, ou unicamente, como fenômeno  histórico e ideológico.  
Você afirma que "Enxergar somente o kitsch nas organizações e partidos é unilateralidade, despolitiza na exata medida em se fixa na negatividade, é por isso um procedimento ideológico. Se enxergar o kitsch somente nas organizações e partidos é unilateralidade, qualquer um pode fazer mais, basta apontar. Eu não impedi nem tampouco reduzi o problema a isso, se os apontei aí é porque para mim é claro e é pertinente à nossa discussão sobre o kitsch das esquerdas. Não sei porque despolitiza na exata medida em que se fixa na negatividade. Ora, o kitsch aqui é a própria negatividade, é o valor negativo, e é exclusivamente dele que estamos falando, não dos partidos e movimentos.
A afirmação de Kundera, de que "numa sociedade em que coexistem diversas correntes e em que suas influências se anulam ou se limitam mutuamente, ainda é possível escapar mais ou menos à inquisição do kitsch. Mas nos lugares em que um só movimento político detém todo o poder, todos se encontram sem escapatória no reino do kitsch totalitário" pode mostrar, inclusive, que na verdade o que se enfraquece é a hegemonia kitsch. O embate de diversas forças e tendências se dá como kitsch contra kitsch, não se pode esquecer que ele está presente porque é elemento pelo qual se veicula valores às massas; se enfraquece o kitsch totalitário até que no final um deles vença e...recomece o ciclo?

Generalizações, Ideologia, Kitsch e Acordo Categórico
Kundera veicula a idéia do kitsch através da literaruta, ok. Porém, seu livro é um ensaio-romance. Quase todas as partes em que discursa formalmente sobre o kitsch é em primeira pessoa e recorre à forma 'Ensaio' para tanto. Quer dizer, a forma 'Ensaio' contém ela mesma a generalização do argumento. O kitsch está lá menos como literatura que como 'Ensaio', portanto generalizador de uma idéia. Essa generalização tem alguns limites porque literatura, e algumas generalizações porque 'Ensaio'. Os limites são pessoais do autor, não o podemos cobrar. Por isso sua afirmação de que generalizo a idéia e a torno ideológica, como se eu fosse o eco de um grito não dado, está equivocada porque quem o faz, antes de tudo, é o próprio Kundera. Senão, alguns exemplos de até onde ele chegou com suas generalizações: "O que faz um homem de esquerda ser um homem de esquerda não é essa ou aquela teoria, mas seu poder de fazer com que toda teoria se torne parte integrante do kitsch chamado a Grande Marcha para a frente";  "Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja o nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana"; "Já disse que o que faz com que a esquerda seja a esquerda é o kitsch da Grande Marcha"; "O que a repugnava [Sabina] não era tanto a feiúra do mundo comunista (os castelos convertidos em estábulos), mas a máscara de beleza com que ele se disfarçara, isto é, o kitsch comunista. O modelo desse kitsch era a chamada festa de 1º de Maio". Generalizações com as quais penso não ter mandito tão estreita relação, ainda que pense que a história também tenha produzido subsídios para tais afirmações e que não esteja totalmente isenta de culpa.
Minha crítica não ultrapassa o fenômeno, você afirma. Mas o problema é que estamos falando justamente do fenômeno em si, concreto e real, o fenômeno presente. Se nosso objetivo for exclusivamente tratar das origens do fenômeno tudo bem, sua afirmação estaria mais completa. Talvez por isso Kundera o tenha apresentado na forma de um 'romance-ensaio'. O kitsch surge ali em seu lugar de fenômeno estético a imiscuir-se pelas esferas das relações humanas. Alteraria ele essas relações ou, antes, as permitiria? Pode-se analisar todo e qualquer fenômeno de diversas formas, pretendendo descobrir suas origens e inclusive pretendendo descobrir suas formas e consequências. Uma análise não é mais certa que a outra, ambas se completam. Nada aqui nos impede de uma ou outra.
A resposta sobre sua pergunta sobre qual é a base material a sustentar o kitsch pode estar respondida na própria tese de Marx, a 8ª contra Feuerbach: Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis. O kitsch é um misticismo mistificador tanto quanto as religiões. Se esta encontra a resposta para sua origem na práxis humana, porque não o kitsch? Teria ele alguma outra origem que não na história e nas relações humanas? Marx afirma que todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontra sua solução (e portanto explicação) na práxis humana. Sua dúvida parece brotar dessa sedução para o misticismo, caso não concorde com a conclusão da tese de Marx. Não realizamos estudos aprofundados e nem teses acadêmicas sobre o fenômeno kitsch, que concordamos, afinal, existir, porém acho que concordamos também com a assertiva de Marx sobre onde procurá-lo: como as religiões e outros fenômenos ideológicos, na práxis humana. Não entendi se não acredita mais no kitsch ou se não encontra explicação para ele na praxis humana. Se acaso o processo de divisão do trabalho é [for]essencialmente alienante não há motivo para estranhar que ele seja um subproduto dessa essência. Logo após você mesmo dá alguma pista sobre isso (a base material do kitsch) em três afirmações.
Primeira: "Tese nº 7 de Marx: Feuerbach não vê que o próprio "sentimento religioso" é um produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada forma de sociedade. Troquemos Feuerbach por Kundera (ou quem generaliza o argumento literário deste) e sentimento religioso por kitsch, ao generalizar o fenômeno perde-se de vista que ele pertence a uma determinada forma de sociedade."
Segunda: "Não é o kitsch que explica a continuidade da exploração do homem pelo homem, é a continuidade da exploração do homem pelo homem que explica o kitsch."
Terceira: "Prescinde-se do conteúdo histórico do fenômeno, eternizando-o, como se o problema não fosse determinado por contradições historicamente determinadas."
Ok. Se ele pertence a uma determinada forma de sociedade fica bem mais fácil aceitar que ele tem sua base material e histórica. Por outro lado, e repetindo: se acaso o processo de divisão do trabalho é [for]essencialmente alienante pode ser que Kundera não tenha sido tão absurdo quando afirmou que “a fraternidade entre todos os homens não poderá ter outra base senão o kitsch”. Nesse caso, sua idéia de que o acordo categórico com o ser é o arranjo estético-filosófico das épocas reacionárias perderia consistência junto com sua afirmação de que "ao generalizar o fenômeno perde-se de vista que ele pertence a uma determinada forma de sociedade". Hermann Broch e Humberto Eco, entre outros, realizaram estudos mais detalhados sobre o kitsch na história.
Reproduzindo uma exemplificação sua para a comentar: "Exemplificando para tentar clarear. As épocas de transformação são essencialmente de desacordo com o estabelecido, o que reflete nas artes e na estética. O acordo categórico com o ser é a estética da manutenção e do estabelecido, por isso a afirmação de que o kitsch se fortalece nesses contextos."
História até agora, no século XXI, apenas comprovou que as revoluções apenas implantaram outra 'manutenção e estabelecido', substituindo aquele acordo categórico com o ser e aquele kitsch por este acordo categórico com o ser e por este kitsch. Portanto, ao fim e ao cabo o kitsch sempre foi elemento presente, nunca exclusivo de um ou outro. As épocas de transformação têm acordo num nível com as épocas em decadência: o acordo categórico com o ser.

Yakov
Yakov. Antes de mais nada, algo que não falamos: quanto à fidelidade à forma da morte de Yakov creio que não se tem absoluta certeza. Kundera a apresenta sob a forma do suicídio, e é possível mesmo encontrar na rede fotos de Yakov dependurado por sobre uma cerca com legendas que o identificam, porém soube de relato de execução em campo de prisioneiros.
A morte de Yakov pode afirmar mesmo um valor, um valor de recusa a uma vida para a qual não exista distinção entre o nobre e o vil. Falei antes desse intercâmbio entre as noções de peso e leveza. Mas  recordemos: foi o fato de ser tratado como um igual, mesmo não sendo (porque era filho de Deus) que o levou à morte. No momento exato em que fora tratado como mais um desapareceram as fronteiras entre o nobre e o vil. É o estado de leveza, anulam-se os valores.                          
Não é o caso de ter passado pela cabeça de Yakov pensamentos sobre o nobre e o vil e sua relatividade sob a forma de elocubrações e categorias filosóficas, não é esse tratamento filosófico-consciente da questão que faria de sua morte um suicídio filosófico, mas sim o simples fato de que qualquer um pode perceber tal estado quando colocado diante de situações-limite. Você afirma que "maldição e privilégio não são a mesma coisa, inclusive porque se fossem Iakov seria indiferente entre uma e outra. Matar-se ou não seria igualmente uma só e mesma coisa, o filho de Estalin poderia suicidar-se ou não, se escolheu a primeira opção foi porque a considerou superior à segunda." Yakov se matou justamente porque há diferença entre o nobre e o vil, a maldição e o privilégio; mas se Yakov afirma dessa maneira essa distinção, só o pôde fazer na morte. Porque na vida, a vida real, isso não era mais possível, a fronteira que conhecera até então e que o fazia ser quem era havia desaparecido para sempre. Portanto afirma a distinção com sua morte e reconhece, por negação, que na vida essa distinção não mais existia. Morre o kitsch, morre a vida (porque a força do kitsch não é desprezível, Kundera o afirma como condição para a vida). Num texto anterior escrevi que "se afirmo a leveza do caráter de sua morte voluntária, como Kundera apresenta sua metáfora, é porque percebo que entre o Kitsh e o real nunca pôde haver acordo." Foi, portanto, o peso que matou Yakov? Ou foi a leveza? Yakov vivera sob o signo do peso, por todos os laços que o ligavam a seu pai, à história e ao império soviético, e morreu prisioneiro de guerra num campo alemão. No instante de sua morte, porém, é justamente sua relação com a vida que muda dramaticamente porque é obrigado a encarar uma nova realidade: a leveza infinita de um mundo que perdeu as dimensões, e essa o leva ao fim. A equação, portanto, é: o peso fez Yakov viver, a leveza o matou. O privilégio era seu kitsch e seu peso, toda sua relação com a vida; o fim do privilégio, de sua distinta condição, foi sua hora da verdade: a leveza e, com ela, seu fim.
Desaparece a fronteira, morrem deuses e demônios. Se recusou, na verdade e ainda conforme Kundera, a uma realidade que não diferenciava mais o nobre e o vil, a viver uma vida em que tudo é nada e o nada é tudo. Maldição e privilégio não podem ser a mesma coisa, então recusou-se a viver uma vida sem essa distinção. Há ainda, talvez, uma questão de linguagem. A maldição, para Yakov, e como Kundera a teatraliza, é a maldição de não haver mais fronteira entre maldição e privilégio. Yakov se mata porque desaparecem as fronteiras. A dimensão metafísica de sua morte consiste na razão de sua recusa, e na forma de sua morte, voluntária. Lhe fora lançada a maldição das maldições: rompeu-se a fronteira entre maldição e privilégio. Então a questão de ser ou não ser não retorna, sempre esteve presente porque se a escolha foi entre maldição e privilégio e essa distinção desaparece, o nível agora é outro: entre uma vida que distingue os dois valores (ser) e uma que os iguala ou anula (não ser), o estado da leveza. Por isso Yakov "se atira, como se jogasse seu corpo no prato de uma balança que sobe, impiedosa, levantado pela leveza infinita de um mundo que perdeu as dimensões." Claro, é necessário dizer que é difícil imaginar Yakov, filho de Stalin, se matando por razões filosóficas esclarecidas, mas esse caráter filosófico não precisa estar presente na consciência de forma clara, apenas se apresentar através de suas categorias gerais. Kundera diz, sobre quando se deparou, ainda muito cedo em sua vida, com certas verdades filosóficas: "Sem o menor preparo teológico, a criança que eu era naquela época compreendia espontaneamente que existe uma incompatibilidade entre a merda e Deus, e, por dedução, percebia a fragilidade da tese fundamental da antropologia cristã, segundo a qual o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Das duas uma: ou o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus -e então Deus tem intestinos-, ou Deus não tem intestinos e o homem não se parece com ele". É preciso, portanto, não recusar nem a Yakov o contato tardio com um dilema filosófico, que só soube na hora do destino apresentar.
Se houve qualquer coisa que Yakov pretendeu afirmar com seu suicídio, foi a recusa de uma vida sem peso. O peso não o matou, pelo contrário; sua ausência sim. Se não teve uma segunda chance, se não pôde viver outra vez, pode ser que sua vida tenha sido cinicamente perdida. Mas isso seria bem menos culpa do próprio Yakov que de uma vida vivida uma única vez, vidas vividas sem o Eterno Retorno. Yakov fora então um esboço de nada.
"A maldição e o privilégio, a felicidade e a desgraça, ninguém mais do que ele [Yakov]sentiu tão concretamente como estes opostos são permutáveis e como é estreita a margem entre dois polos da existência humana." - Kundera
Assim, reitero que "O Kitsh, de ideal estético do acordo categórico com o ser, firma a convicção de que o ideal legitima o acordo, e quando essa união entre ideal e acordo se rompe, a leveza do ser se apresenta como horizonte possível e difícil da escolha humana e lhe restitui sua consciência usurpada, com todas as conseqüências que terá para o indivíduo. Uma para Yakov, outra para Siddhartha".

A Força do Peso, Ideologia da Tradição
"Se o lar sossegado de Sabina é um kitsch e a grande Marcha de Franz também, revolução e família burguesa transformam-se na mesma coisa, seus pesos se equilibram na balança da unilateralidade". É por essa razão que existem pessoas como Sabina, que sabe o que uma contém da outra. Negar a Sabina que pode ser um ser completo porque nega partidos e movimentos políticos é a mesma pretensão dos deuses, estes no lugar dos partidos e movimentos.
É obstinada sua vontade de negar a merda...chega a tal ponto que, a meu ver, confunde o "negar a merda" com "fechar os olhos para a merda". Seu raciocínio novamente parte do fim para negar o princípio. Quer dizer: como eu penso que a Grande Marcha existe para negar o lar sossegado e kitsch de Sabina, logo a Grande Marcha não pode conter o kitsch pois é sua negação. Não dá outra: a lógica simplista da ideologia arrasa a dialética. Transposta a mesma lógica para as esferas públicas do poder, é a vida quem paga. É assim, nunca se erra. O erro e o engano são dos outros, da direita propriamente. Erro e engano deixam de ser humanos para serem políticos. É o canto do cisne de uma vida que fenece miseravelmente. Muss Es Sein? Es Muss Sein! É assim? Tem de ser assim! É a mesma lógica dos agentes do Estado Tcheco. Sabina talvez pensasse dos agentes: "Por que eles se preocupam se para mim capitular ou não, torturar ou não, trair ou não, sovietes ou fascismo... tanto faz não resume todo o problema?" E eles lhe diriam: "Aqui não relativizamos valores, absolutizamos!"
Sabina sabe que tanto faz o nome sob o qual a merda se esconda, capitular ou não, torturar ou não, trair ou não, sovietes ou fascismo...o que importa, antes de tudo, é se a merda está lá ou não. O peso que passou pela merda pensando negá-la na verdade sequer a colocou na balança dos riscos, não considerou os riscos  capitular ou não, torturar ou não, trair ou não, sovietes ou fascismo. Providenciou uma higienização do cardápio pensando limpar a cozinha, limpou a fachada pensando limpar o interior. Infelizmente, o peso não pode levitar para olhar para si mesmo. Nunca pôde, é sua condição, e a História política do século XX não nos deixa mentir: as promessas do ideal jamais foram concluídas, quando não traídas, e se isso tampouco foi razão para reter a força de seu avanço, não foi mais que uma confissão: extrai sua força de sua impotência, seu engano, seu erro. Só pode dar merda.
"Do azul para o verde, do verde para o azul: começamos relativizando valores; depois nos eximimos da responsabilidade por nossa linguagem ideológica; por fim igualamos revolução e família burguesa, como se fossem apenas dois kitsches. Rompe-se o acordo categórico com o ser, firma-se acordo com a ordem burguesa. Resta saber se, no limite, furaremos nossos olhos, como Édipo."
Aqui você parece ignorar as matizes que viu no caso da esquerda e direita. Se uma existe para negar a outra, não significa que uma não contenha elementos da outra, como você, aqui, parece crer. Conforme sua própria citação, "o método dialético ensina que azul e verde são cores diferentes, mas que há matizes intermediários em que é difícil determinar onde acaba o azul e começa o verde. Utilizemos o mesmo exemplo colocando revolucionário e reacionário no lugar das cores. É difícil definir em que ponto aquele se transforma neste..." Para imediatizar então o caso, utilizemos os termos "revolução" e "família burguesa" no lugar dos termos "revolucionário" e "reacionário". Me parece que temos matizes intermediários em que é difícil determinar onde acaba a revolução e começa a família burguesa. Você mesmo afirma o intercâmbio, como pode constatar. A idéia de que "como se fossem apenas dois kitsches" não fica por minha conta.
Impossível não notar um certo tom profético em sua última frase, sobre Édipo. É como se você tivesse como certo que não há valores relativos, que não trazemos, todos, verdades ocultas atrás do discurso, e que o kitsch não pode estar presente na revolução e na família burguesa ao mesmo tempo (a despeito do que tenha dito antes, já que aqui o contesta sob a idéia de que "como se fossem apenas dois kitsches").
Se, para você, tão certo como reconhecer isso é firmar um acordo com a ordem burguesa, nem você perde nem eu ganho. Afinal, quem disse que de fracasso em fracasso a história não avança? O maniqueísmo é o motor da história.

A Um Velho Camarada
Amigo JC. Essas minhas considerações não carregam pretensões que não se esgotem em si mesmas. Se antes afirmei, sobre determinado assunto, não ser este absoluta especulação, admito aqui minha condição de palpiteiro, até porque minha formação acadêmica me dá vergonha. De tudo o que foi dito por nós, talvez fiquem linhas que nos importem reciprocamente, talvez não. Referendo que para mim, hoje ou a vida inteira, essas diferenças, ainda que eventualmente carreguem  cisões quanto ao que fazemos da nossa vida, nunca significaram razões para ruptura, ao contrário de Camus e Sartre. Isso é uma opinião estritamente pessoal e, apesar das cisões, ela, minha opinião, talvez decorra também dessas diferenças quanto ao que fazemos da vida. Me recordo subindo pelo elevador de um prédio comercial, ao meu lado alguém que entabularia uma conversa enfadonha sobre o casamento e eu apertando o passo para não ser alcançado.


Fraternalmente
Olavo Mosnos

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