O feitiço do Barça

Quando o Barcelona atropelou o Santos, comecei torcendo por este último, depois passei a torcer pelo apito final, que encerraria o castigo. No início a ilusão policarpiana: temos o melhor futebol, os melhores jogadores, Neymar é mil vezes melhor que Messi... No final o espanto: o Barça brincou de ciranda com melhor time do Brasil, meteu quatro brincando. A força da sova excluiu a conjunção condicional, ninguém ousou empregar o tão comum “se”; “mas se o Santos tivesse”...  Nada. Nenhum santo salvaria o Santos. A vitória da equipe catalã foi maiúscula e incondicional. Quis escrever algo na época, mas fiquei sem palavras, como não poucos.

Ontem o Chelsea eliminou o Barcelona. Vitória da buRRocracia inglesa sobre a ciranda catalã. O futebol é tão democrático que abre espaço inclusive para a buRRocracia, mas não fecha as porteiras da inovação. O Barça é, sobretudo, uma novidade. Síntese do jogo holandês, com a melhor geração espanhola, com um dos grandes craques da escola platina.

Um princípio: manter a posse de bola. 75%, 80% por partida. Quem tem a bola nos pés, tem o jogo nas mãos. Mas o futebol é tão mágico, mas tão mágico, que deixa brechas para seu contrário, o antijogo. O Chelsea eliminou o Barça montado numa retranca total, com todos seus homens posicionados atrás da meia-lua. Não houve jogo. Antecipadamente a equipe inglesa confessou sua inferioridade, optou por recuar todas as suas peças. Se fosse boxe, o árbitro desclassificaria os ingleses por falta de combatividade e antijogo. Mas boxe não é futebol, ainda bem.

Quando o Barça nocauteou o Santos, disseram que tratava-se de um time histórico; agora que perdeu para o Chelsea, é possível que mudem-se os discursos. Da minha parte repito: o Barça é, sobretudo, uma novidade (síntese da escola holandesa, com a melhor geração espanhola, com um craque platino ímpar). Por isso é sim uma esquadra histórica. O toque de bola é seu passaporte para a história.

No caminho de Barcelona, Dom Quixote tentou açoitar Sancho Pança à força para desencantar sua amada Dulcinéia, foi derrubado e imobilizado pelo escudeiro. No caminho do Barcelona apareceu uma equipe que recusa todas as regras do bom combate, e que não se envergonha de recuar todos seus homens.

Quixote e Barcelona são teimosamente principistas. O primeiro acredita nos livros de cavalaria, o segundo na magia do seu toque de bola. Quixotescamente, o Barça recusa chutes de fora da área, cruzamentos e qualquer tipo de jogada que não seja o toque de pé para pé. Chutes de longa distância e chuveirinhos na área representam a possibilidade de perder a posse de bola, logo não são empregados. O Barça chega na linha de fundo, mas não cruza; chega na entrada da área, mas não chuta; apenas rola a pelota de pé para pé até encontrar brechas na defesa adversária.

Enfim, ontem tive certeza de que o Barça é mesmo um time histórico, seu oponente esteve o tempo todo posicionado no campo de defesa. Para tentar vencer o Barça, o Chelsea precisou negar o futebol, praticando a retranca e o antijogo. O último tento dos ingleses quase não foi filmado, as câmeras todas estavam viradas para o gol Chelsea, quando uma rebatida da zaga encontrou um atacante livre, este percorreu dezenas de metros sem ser visto pelas câmeras, driblou o goleiro e empurrou para as redes. Estranho. Feio. Sintomático. Antes perder de pé do que ganhar de joelhos.  

JC

Um comentário:

Anônimo disse...

Maravilhoso esse time do Barça...bem percebido esse fato do último gol inglês ter sido pego pelas câmeras já no meio da jogada. Dizem que encontraram um jeito de parar o Barça...bem, o foram encontrar fora do futebol. Todo time que precisa garantir o resultado tende a fortalecer sua defesa, assim como todo time que precisa mudar o resultado tende a fortelecer seu ataque; o resultado determina o jogo ou o anti-jogo. Quem dera o futebol bem jogado, arte, fosse a única arma para vencer. A beleza não garante a vitória, o grotesco pode garantir...triste equação. Mas ainda temos algo: quem reconhece como melhor o time que jogou pior? O grande Barça acaba por dar razão ao clichê "o importante é competir!"