A MORTE DO PADEIRO

I
ficou o nome
no boletim de ocorrência

ficou o número
na estatística

ficou a bala
no cadáver

ficou a palavra
sem teto

II
soldados no matagal
como quem caça
bicho do mato

o padeiro retorna
da casa da noiva
na moto financiada

o padeiro usa chinelo
bermuda e camiseta

os soldados usam fuzis
e capacetes pretos

III
os soldados trocam olhares
respiram fundo
apontam as armas

o aceno discreto é a senha
para abrir fogo
e ganhar a noite

o padeiro cai
a moto cambaleia
a tropa comemora

IV
reagiu à abordagem
na versão da polícia

suspeito de pertencer ao tráfico
na manchete da notícia

“bandido bom é bandido morto”
na página de comentários

V
se era inocente
se era virgem
não vem ao caso

quem mandou
sair de moto
na noite escura?

(pergunta que alivia
o sono difícil
dos soldados)

VI
em flats alugados
executivos cheiram cocaína
e trepam com prostitutas

nas praças de alimentação
a classe média saboreia
omeletes eletrônicos

na cena do crime
a tropa reprime
a família do morto

e arrasta o padeiro
para passar a noite
na geladeira

VII
vão cortar o cadáver
com serra elétrica
como se fosse
massa de pão

vão remexer as vísceras
com luva e alicate
como se houvesse
algum segredo

enquanto na padaria
ao mesmo tempo
vão anunciar:
“precisa-se de padeiro”


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