No ano de 12.022 os mitos serão terríveis. Sísifo, a montanha e a pedra serão esquecidos. Sísifo deixará, finalmente, de rolar a pedra montanha acima.

No ano de 12.022 um mito dará conta de uma geração que viveu curvada sobre aparelhos eletrônicos, que carregavam nas mãos. Quando tentavam espiar as pessoas, os bichos, as montanhas e até as pedras no meio do caminho; recebiam mensagens, e se mantinham curvados sobre os aparelhos: como gado no pasto.

Sísifo, do alto da montanha, podia, pelo menos: espiar a vista.


POEMA PROLETÁRIO

Nossas bocas vão mastigar
seus títulos de propriedade,
suas togas e fardas,
seus contratos de hedge,
suas algemas e viaturas,
seus soldados e cães,
suas reintegrações de posse.

Nossas bocas vão mastigar
suas revistas de fofoca,
seus condomínios fechados,
suas opções de compra,
seus passeios na Disney,
suas tropas de choque,
seus jornalistas de aluguel.

Nossas bocas vão mastigar
seus derivativos agropecuários,
suas projeções de lucro,
seus ternos italianos,
suas balas de borracha,
seus barretes doutorais,
suas pick-ups importadas.

Nossas bocas vão mastigar
suas terras griladas,
seus gases lacrimogêneos,
suas commodities agrícolas,
seus tribunais e magistrados,
suas especulações imobiliárias,
seus matadores de aluguel.

Nossas bocas têm fome.
Nossas bocas vão mastigar sua classe social.

Argentina - 2017
SEXTETO DA FIDELIDADE

era tão fiel
mas tão fiel
que era fiel
até na punheta
que só batia
pra esposa