DIALÉTICA
SINTÉTICA DA POÉTICA DRUMMONDIANA
Em sua procura da poesia,
Drummond registra: “O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”. O complemento
é: “Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam
ser escritos.”
Deslocamento intrigante.
A poesia não está no que pensas e sentes, mas sim em como expressas o que
pensas e sentes, depende das palavras utilizadas. Questionamento inevitável. Sentimentos
banais expressos com palavras e construções inusitadas podem compor poemas que “esperam
ser escritos”? Talvez. Pode ser o caso da pedra no meio do caminho.
Voltando. Poemas podem
nascer de parto normal: de acontecimentos, fatos e imagens. Mas as carnes e os ossos
do poema são as palavras. Se estas não forem apropriadas, o poema será burocrático
ou cartorial.
O poeta, com suas
palavras e demais recursos, fecunda os acontecimentos, fatos e imagens. Nem a
poesia pode prescindir do real, nem este é em
si poético. A beleza do real é mais direta, com menos mediações.
Expressar algo em versos
é poesia, ainda que não seja boa poesia, se não fosse assim não existiriam
poemas ruins. Então, bom poeta é aquele que faz mediações (e não média) com as
palavras.
A poesia não está em
sentimentos, ideias, fatos e acontecimentos. A poesia está na forma de
expressar sentimentos, ideias, fatos e acontecimentos. Forma pode ser conteúdo:
palavras e construções que guiem por becos desconhecidos, uma pedra marchando
para o meio do caminho.
Há poemas paridos a
partir de palavras colhidas no reino das palavras. Pode ser tempo, fogo, ferro
ou qualquer outra (as mais espessas, as minerais são preferíveis, diria João
Cabral). Grávido de palavras, o poeta dá o poema à luz, ou à escuridão, que o
importante é dar. A palavra é sempre a pedra no meio do caminho. Com a palavra
pedra no meio do caminho, o poeta escreveu o poema No Meio do Caminho.
Por exemplo. Drummond
apanha a palavra flor, que é portadora de forte carga poética e simbólica. Relaciona
flor com outras palavras: concreto, asfalto, polícia e tráfego, que são suas
antíteses. Trabalha como um artesão ou um jardineiro, modela palavras como se fossem
vasos, ou plantas no vaso. O manuseio vai revelando sentidos ocultos que existem
apenas como possibilidade e inquietação. O resultado final não é planejado com
a antecedência e a precisão do artesão ou do jardineiro. Poesia é quando as
palavras oferecem a outra face, que “cada uma tem mil faces secretas sobre a
face neutra”.
Com Drummond, a flor
nasce na rua, e ilude a polícia. É feia, antiparnasiana, mas é uma flor, e
rompe o asfalto. O belo não está na flor, “sua cor não se percebe, suas pétalas
não se abrem.” Como queria Mário de Andrade, o belo está na deformação do real:
na flor furando o asfalto. Efeito que nasce do atrito das palavras, como o fogo
nasce do atrito de gravetos. O poeta bate a flor no asfalto, até rompê-lo. O
poema é anárquico, sem governo: uma explosão de possibilidades e inquietações. O
poeta fecunda o real com seu material genético: precariamente, sem esperança e
sem opção.
Postas no papel e
atritadas as palavras percorrem veredas improváveis, fogem do controle, escapam
como bicho solto na natureza. O sentido do poema não está colocado com
antecedência e às vezes ultrapassa o próprio autor, se não fosse assim, seria inútil,
mais do mesmo. O sentido do poema não está colocado definitivamente, que o
tempo e a vida presente são a matéria do poeta, e as palavras “rolam num rio
difícil e se transformam em desprezo.” A poética drummondiana é anarquia e
atrito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário