No final dos anos noventa assisti grandes embates do meu Palmeiras contra o Vasco de Juninho Pernambucano, Ramon e outros. Perdemos o Brasileirão de 1997, ganhamos na Libertadores de 1999, perdemos novamente na Mercosul de 2000. Vitórias e derrotas se condensaram na minha memória, foram arquivadas em alguma sala empoeirada e pouco visitada do meu cérebro. O que me marcou realmente naquele Vasco foi seu habilidoso lateral esquerdo, que despontava.
Felipe começou nas quadras de futebol de salão de São Januário, aos cinco anos de idade, aos dezenove estreou como profissional. Talvez por ter surgido junto com o meia Pedrinho (outro canhoto talentoso), ou talvez por mania de retranca de algum treinador, Felipe se projetou como lateral, recuado. Sua principal característica é o drible, como pode ser visto no vídeo 1, abaixo. Como Mané, ou pelo menos como a maioria das imagens que restaram do gênio das pernas tortas, Felipe dribla “parado”, pára na frente do marcador e finta para o lado, só que para a esquerda. É como se a “paradinha” fosse um pequeno intervalo para chamar a atenção do público. Como numa tourada, toureiro e touro param, se encaram, o animal dá o bote, o homem se esquiva, ohhh, olé, faz-se a alegria do povo (e registre-se: no futebol a alegria se faz sem sacrifícios absurdos). Enfim, o drible de Felipe é amplamente conhecido, um corte seco para a esquerda, o que ninguém explica é a impossibilidade de parar o driblador.
Um driblador é um anarquista sempre disposto a subverter a ordem e a causar o colapso das retrancas e sistemas defensivos, abrindo espaços na marra. A burocratização ameaça os dribladores, a mediocridade tenta se preservar isolando e afastando o talento. O futebol virou um servidor público, com bigode, camisa para dentro da calça e cartão de ponto. O Brasil passou a importar talentos argentinos, chilenos e de outros países latinos. Mas há sempre algum moleque disposto a rasgar os expedientes e despachos do futebol servidor público, Felipe entre estes, é o maior driblador que vi em ação.
Depois do Vasco, Felipe passou por Palmeiras, Flamengo, Fluminense e foi para o Catar, ficou distante, inacessível por aqui, mas não sem chamar atenção por aquelas bandas. Tempos depois ele reapareceu no seu clube de origem, o Vasco. Os anos passam, caem os cabelos, os músculos perdem a potência. Felipe não é mais o mesmo driblador dos primeiros momentos. Mas o tempo é simples abstração para um craque, que sai fintando a cronologia. O driblador se transformou em um meia clássico, seus passes antialgébricos desconstroem equações e zagas, vide vídeo II. Com Felipe o lirismo rompe pranchetas e pilhas de papel do futebol servidor público, seus dribles e passes enfeitiçam e encantam.
JC
Vídeo I - Dribles
Vídeo II - Passes
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