PARA MANÉ, PARA DIDI, DE DIDI PARA JACOB E PIXINGUINHA

Era uma vez um menino criado sozinho numa pensão. A mãe tentava proteger o filho. O menino quase não saía, ia da casa para a escola e desta para aquela. Aos cinco anos fez a segunda voz durante o hino nacional, e ficou de castigo. Tinha um velocípede e um cão. Tinha também um vizinho cego, que tocava violino. O som escapava do quarto do cego para o resto da pensão, e encantava o menino. Então pediu e ganhou um violino, mas não se adaptou ao arco do instrumento e passou a tocar com grampos de cabelo. Resultado: estourou as cordas. Foi quando aconselharam o menino a tocar bandolim. Ganhou o instrumento e começou a recriar os sons que ouvia, hábito que cultivou por toda a vida.

Um dia ouviu o choro É do que Há, de Luiz Americano. Tinha 13 anos e uma vizinha que trabalhava numa gravadora. O chorinho escapou da vitrola para a janela e chegou até o menino. Começava uma paixão. Jacob se transformaria em defensor intransigente do choro: pesquisou, resgatou partituras, deixou um acervo vasto, tocou e divulgou a obra de chorões do passado, como Ernesto Nazareth entre outros. E foi além, com suas palhetadas peculiares Jacob traduziu a brasilidade para o bandolim. Virou Jacob do Bandolim.  

Tocou em rádios. Teve programas próprios. Gravou discos. Mas como música não paga o pão, por conselho do amigo Donga, prestou concurso público e se tornou escrevente juramentado. Jacob se dizia músico amador porque não vivia de música. Além de garantir o sustento da família, o serviço público lhe garantiu a independência estética, como não vivia de música, viveu para a música, sem se submeter às exigências castradoras da indústria do entretenimento. Se a questão fosse ser ou não ser comercial, certamente Jacob não seria, porque música, para ele, não era mercadoria.

Jacob estudou teoria musical e aprendeu a ler música. Chegou a gravar a suíte Retratos, de Radamés Gnatalli, que homenageia nomes chave da música brasileira: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga. Em carta a Radamés, Jacob registrou: “o prêmio de todo esse esforço foi maior que todos os aplausos recebidos em trinta anos: foi o seu sorriso de satisfação! Este é que eu queria, que me faltava e que, secretamente, eu ambicionava há muitos anos […] Um sorriso bem demorado, em silêncio, olhos brilhando, tudo significando aprovação e sensação de desafogo por não haver se enganado. Valeu! Ora se valeu!”

Um dia ouviu o choro É do que Há, de Luiz Americano. Tinha 13 anos e uma vizinha que trabalhava numa gravadora. O chorinho escapou da vitrola para a janela e chegou até o menino. Começava uma paixão. Jacob se transformaria em defensor intransigente do choro: pesquisou, resgatou partituras, deixou um acervo vasto, tocou e divulgou a obra de chorões do passado, como Ernesto Nazareth entre outros. E foi além, com suas palhetadas peculiares Jacob traduziu a brasilidade para o bandolim. Virou Jacob do Bandolim.  

Tocou em rádios. Teve programas próprios. Gravou discos. Mas como música não paga o pão, por conselho do amigo Donga, prestou concurso público e se tornou escrevente juramentado. Jacob se dizia músico amador porque não vivia de música. Além de garantir o sustento da família, o serviço público lhe garantiu a independência estética, como não vivia de música, viveu para a música, sem se submeter às exigências castradoras da indústria do entretenimento. Se a questão fosse ser ou não ser comercial, certamente Jacob não seria, porque música, para ele, não era mercadoria.

Jacob estudou teoria musical e aprendeu a ler música. Chegou a gravar a suíte Retratos, de Radamés Gnatalli, que homenageia nomes chave da música brasileira: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga. Em carta a Radamés, Jacob registrou: “o prêmio de todo esse esforço foi maior que todos os aplausos recebidos em trinta anos: foi o seu sorriso de satisfação! Este é que eu queria, que me faltava e que, secretamente, eu ambicionava há muitos anos […] Um sorriso bem demorado, em silêncio, olhos brilhando, tudo significando aprovação e sensação de desafogo por não haver se enganado. Valeu! Ora se valeu!”

As fronteiras entre a música dita erudita e a música dita popular são ilusórias. Uma não existe sem a outra e vice-versa. Uma se alimenta na outra, da outra e com a outra. São gêmeas. Se separadas, agonizam. Exemplificando. Radamés Gnatalli, compositor erudito, escreveu a suíte Retratos para bandolim e orquestra dialogando com compositores populares, como Pixinguinha, e foi gravado por um músico que transitava pelas duas tradições, Jacob do Bandolim. São esses diálogos e essas transições que alimentam a música.

Para criar é preciso se conceder liberdade de criação, o músico dito erudito que não se concede liberdade de criação será, na melhor das hipóteses, um interprete perfeito, mas incapaz de criar. A criação ocorre nas fronteiras e regiões de convergência entre popular e erudito (É Vila-Lobos recolhendo temas tradicionais, recriando cantigas de roda. É Radamés Gnatalli escrevendo uma suíte para bandolim, orquestra e conjunto regional. É Jacob do Bandolim estudando fanaticamente para tocar uma peça de Radamés Gnatalli. É o sorriso deste para aquele). Como se concedia liberdade para criar e por ser capaz de dialogar com a tradição, Jacob do Bandolim produziu uma obra grande numa vida curta. Em 51 anos de existência produziu choros fundamentais: Noites Cariocas, Assanhado, Vibrações, Cabuloso, Doce de Coco, Receita de Samba, Santa Morena, Remelexo… Completaria 100 anos em 2018. O que teria produzido se tivesse vivido mais tempo?

Defensor intransigente do choro, Jacob organizava saraus em que reunia a “fina flor” da música brasileira: Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Turíbio Santos, Canhoto da Paraíba. Quem atrapalhasse ou fizesse barulho era expulso. Bebidas alcoólicas eram proibidas (menos quando Pixinguinha comparecia). Jacob achava que o choro estava condenado, não se compreende choro sem quintal, e os quintais estão acabando, dizia. Eram tempos de tropicalismo, da jovem guarda e dos sambas de apartamento.   
    
Em 1967, Jacob enfartou no palco, estava nos primeiros acordes de Murmurando, e já havia tocado Lamento, de Pixinguinha. Em 1969, Jacob procurou Pixinguinha, que passava por dificuldades, queria gravar um disco só com músicas do mestre, para arrecadar grana para o amigo. Naquele dia lhe veio o enfarto fatal.

Jacob deixou esposa, filhos, amigos e uma obra fundamental. Resgatou e deu vida a peças de chorões do passado, imitou a sonoridade vocal e as palavras cantadas, criou novas possibilidades para o bandolim, musicou o voo da mosca e a dança do mágico das pernas tortas (A Ginga do Mané). 

Viajando. Nelson Rodrigues já havia cunhado a expressão “complexo de vira-lata” para definir o futebol brasileiro, tão vistoso quanto falho em momentos decisivos. A Bossa Nova estava nascendo, Jacob do Bandolim estava no auge e o Brasil estava na final da Copa do Mundo de 1958. Tinha um garoto prodígio de 17 anos (Pelé), o mágico de pernas tortas (Mané Garrincha), o meia do chute “folha seca” (Didi) e outros craques. Brasil x Suécia, na Suécia. Os donos da casa abrem o placar. 1 x  0. Preocupação. “Complexo de vira-latas” reencontrado. Lembrança do Maracanaço de 1950. Tudo ao mesmo tempo. Mas Didi caminha calmamente, apanha a bola no fundo do gol e a carrega debaixo do braço até o meio do campo, para reiniciar a partida, no caminho, conversa e orienta os jogadores. Resultado final: Brasil 5 x 2 Suécia. Brasil campeão do mundo pela primeira vez.

Comparando. Pela genialidade e pelo despojamento, Pixinguinha pode ser comparado a Garrincha, e vice-versa. Pela liderança e pela técnica, Jacob pode ser comparado a Didi, e vice-versa.

Perguntando e concluindo. A seleção brasileira seria campeã mundial se Didi não tivesse buscado a bola no fundo gol em 1958? Qual o tamanho da contribuição de Jacob do Bandolim para a música brasileira? Perguntas difíceis de responder. O importante é que: “Valeu! Ora se valeu!”   

Fonte: http://www.jacobdobandolim.com.br/

Notas soltas

 1)      O título deste texto saiu da canção O Futebol, de Chico Buarque, a tabelinha com Jacob e Pixinguinha fica por nossa conta.

 2)      Jacob compôs A Ginga do Mané, mas torcia para o Vasco, para seu time de coração criou o choro Vascaíno.

3) Para conhecer mais sobre Jacob do Bandolim: http://radiobatuta.com.br/documentario/vibracoes-o-som-de-jacob-do-bandolim/ e http://www.jacobdobandolim.com.br/ respectivamente: documentário radiofônico da Rádio Batuta e Instituto Jacob do Bandolim.

4) A Ginga do Mané tocada por Jacob do Bandolim: https://www.youtube.com/watch?v=zclOc7ePmWs

5) Imagens raras de Mané Garrincha mais os choros A Ginga do Mané (de Jacob do Bandolim) e 1 x 0 (de Pixinguinha):


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