ROBERTO PIVA: A POESIA COMO ATO SEXUAL
VISÃO 2011
I
casal
de velhos saltando
de
mãos dadas
da
ponte de safena
(os
corpos boiando
de
mãos dadas
no
mar de rosa)
II
santa
na igreja
com
fio dental
e
pentelhos de fora
III
jovem
nu
na
fila da hóstia
com
piercing no rabo
(abaixo
as rimas fáceis)
IV
cachorro
de rua
se
esfregando
na
estátua depilada
V
contadores
anarquistas
trepando
com livros contábeis
no
escritório subterrâneo
VI
homem
se masturbando
com
alicate
na
ceia de natal
VII
a
brisa lambendo
o
clitóris da manhã
---
Chovia merda no meu coração
bebê
corre com fone de ouvido
na
praça de alimentação do shopping popular da avenida Aricanduva
a
mãe compra a prazo
o
pai secretamente deseja as formas ecléticas do manequim inanimado
pastor
flerta pelo aplicativo de relacionamento
estudante
aprende inglês no site de pornografia
propaganda
customizada anuncia ereções absolutas
garotas
lacram as vaginas
com
linha de pesca
à
espera do homão da porra
garotos
se masturbam coletivamente
e
ejaculam álcool gel
na
plateia do programa de auditório
poetas
babosos negociam suas poesias-mercadoria em saraus-leilão
prótese
de silicone salva patricinha de bala perdida na marginal do Tietê
mercado
de pintos postiços supera o de perucas
startups
planejam lucrar com a venda de vibradores para senhoras católicas
roqueiros
tatuados com borboletinhas e pombinhas da paz
furúnculo
no cu peludo de um deus careca
antropofagia
neoliberal
hamburguer
de carne proletária
servido
nas corretoras de valor da avenida Faria Lima
governo
do estado de São Paulo cede o pico do Jaraguá às forças armadas estadunidenses
para
lançamento de foguetes nucleares caralhudos
supremo
tribunal federal aguarda resultado de pesquisa de opinião
para
decidir se sonho erótico é crime
ministério
da justiça lança consulta pública
sobre
a legalidade do sexo oral
tropa
de choque da PM garante a segurança e empresta cassetetes
para
a suruba semanal da grande burguesia
na
casa de cristais flutuantes
sobre
as águas paradas do rio Pinheiros
as
cinzas reagrupadas do poeta Roberto Piva sapateiam na Praça da República
com
Parkinson
com
raiva
e
com razão
Nota
Roberto
Piva (1937 – 2010) foi um poeta paulistano. Não foi exatamente um poeta da
cidade. Foi um poeta na cidade. Que é como ele se definiu. Percorria São
Paulo caminhando. São Paulo se espalha na poesia dele. Além da cidade, outros
poetas e filósofos estão presentes nos poemas de Roberto Piva: Nietzsche,
Heidegger, Dante, Artaud, Trakl, Crevel, Pasolini, Sade, Mário de Andrade,
Murilo Mendes, Jorge de Lima. Piva foi grande leitor. Há rastros e vestígios de
leituras do poeta na poesia e nos textos que escreveu. Nos dois poemas acima
tentei orbitar a poesia de Piva. Visão 2011 para Visão 1961. Chovia
merda no meu coração para Chovia merda do teu coração e Chovia no
teu coração de merda. Poetas babosos e foguetes nucleares
caralhudos estão no poema manifesto O século XXI me dará razão. Enfim,
a melhor definição da poesia de Piva é do próprio Piva: “minha poesia sempre
consistiu num verdadeiro ATO SEXUAL, isto é, numa agressão cujo propósito e a
mais íntima das uniões.”
Publicado originalmente no Passa Palavra
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