A INSUPORTÁVEL LEVEZA DO ÚLTIMO TANGO
Uma coisa é
procurar um livro, outra, muito diferente, é ser encontrado pela obra. Naquele
dia entrei no sebo com espírito livre, pressentindo novidade. Respondi de
maneira meio inusitada ao tradicional “o que o senhor procura?”, disse que
procurava algo que não sabia ainda o que era, mas que estava perto. Não deu
outra. Na quina da prateleira de literatura internacional avistei a obra O
Último Tango, de Maxine Rabel.
Já tinha
assistido e gostado do filme de Bernardo Bertolucci, O Último Tango em Paris,
com Marlon Brando e Maria Schneider. Lembrava-me do apartamento fechado, da
cena da manteiga. A famosa cena da manteiga... A cena que derramou lágrimas
reais da atriz. Mas ignorava e continuo sem saber se o filme é adaptação do
livro, curiosamente, nos tempos do google e da informação total, não encontrei
nada que relacione filme e livro. Mas é certo que um gerou o outro. O mais
provável é que o livro seja a origem do filme. Mas pouco importa. Um e outro
são geniais e se justificam por conta própria.
Não foi o filme
que me fez apanhar o livro. Talvez tenha sido a força trágica da palavra tango,
ou quiçá minha atração pelo que é terminal, último, e todo tango é sempre
derradeiro. Enfim, comprei
o livro e iniciei a leitura no mesmo dia.
Tudo ao mesmo
tempo. Um suicídio. Um casamento nascendo, outro morto. Traições. Um
apartamento fechado. Uma mulher no cume da parábola de sua feminilidade. Um
homem de quarenta e alguns anos, envelhecendo, escorregando pela ladeira que
leva o jovem ao velho. Ela Jeanne. Ele Paul. Ela francesa. Ele estadunidense.
Jeanne e Paul
procurando apartamento para alugar. A coincidência. O encontro casual no imóvel
vazio. Sexo nascendo do improvável, rompendo hierarquias, dispensando nomes e
histórias pessoais, reposicionando a vida. Grunhidos substituindo sílabas. O
prazer pelo prazer.
Prazer que
cobra sua carga de dor. O Último Tango é a história de um homem jogado ao solo,
é o nocaute do ex-pugilista Paul, morto nas batalhas do amor, derrotado pelo
desafio que fez a si próprio. Um libertino vitimado pelas pauladas do amor
romântico. Esperança mínima ceifada. Máquina do mundo repelida. Antimelodia do
homem que percebe o anúncio de anos de solidão, e sucumbe abatido por sua
carência. Carência que ele tenta esconder de todas as maneiras, inclusive com
jabs e cruzados.
O Último Tango
sopra os ventos gelados da insustentável leveza do ser. Paul sucumbe sob
toneladas de leveza. Jeanne tem algo de Sabina. Paul tem muito de Tomas, Franz
e Tereza. Todos sufocados sob crostas de civilização.
Rabel tem algo
Kundera, ou o oposto, posto que o último tango, do primeiro, toca antes da
insustentável leveza do ser, do segundo. Mas isso importa pouco. E é igualmente
pouco importante que os dois livros tenham sido adaptados e transformados em execelentes películas. O fundamental é que o último tango baila
no ritmo da insustetável leveza do ser, que tem som de último tango.
2 comentários:
Procuramos sempre o peso das responsabilidades, quando o que na verdade almejamos é a leveza da liberdade
Milan Kundera
O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser
Milan Kundera
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